Até o momento, ela não conhecia sua própria miséria, pois não tivera um amado para retratar. Ela chegou aos 17 anos sem ter visto um jovem amável que pudesse despertar sua sensibilidade, sem ter inspirado uma paixão verdadeira, e sem ter levantado mesmo qualquer admiração, além daquelas moderadas e passageiras. Isto era, de fato, estranho! Mas as coisas estranhas podem ser geralmente explicadas, se sua causa for pesquisada com isenção. Não havia nenhum lorde na vizinhança, nem mesmo um barão; não havia nenhuma família em seus relacionamentos que tivesse abrigado e cuidado de um garoto acidentalmente encontrado em sua porta – nenhum jovem rapaz cuja origem fosse desconhecida; seu pai não tinha nenhum protegido; e o escudeiro da paróquia, nenhum filho.
Mas, quando uma jovem dama é predestinada a ser uma heroína, a perversidade de quarenta famílias ao redor não pode detê-la. Algo deve, e irá, acontecer para lançar um herói em seu caminho.
O senhor Allen, que era o proprietário da maior parte das terras perto de Fullerton, a vila em Wiltshire onde viviam os Morland, foi enviado a Bath para cuidar de sua gota, e sua esposa, uma mulher bem-humorada, que gostava da senhorita Morland, e provavelmente ciente de que, se as aventuras não recaíssem sobre uma jovem dama em sua própria vila, era iria buscá-las em outro lugar, convidou-a a acompanhá-los. O senhor e a senhora Morland eram só condescendência, e Catherine, só felicidade.
CAPÍTULO 2
Além do que já foi dito sobre os dotes pessoais e mentais de Catherine Morland, quando ela estava prestes a ser lançada a todas as dificuldades e aos perigos de uma estadia de seis semanas em Bath, pode-se dizer – para melhor compreensão do leitor, a menos que as páginas seguintes fracassem em dar qualquer ideia do que a personalidade dela deveria ser – que seu coração era afetuoso; seu temperamento alegre e aberto, sem presunção ou afetação de qualquer tipo; suas maneiras recém-libertadas do constrangimento e da timidez de uma garota; sua pessoa agradável e, quando bem vestida, bonita; e sua mente tão ignorante e desinformada quanto uma mente feminina aos 17 anos geralmente é.
Quando a hora da partida se aproximava, a ansiedade maternal da senhora Morland deveria, naturalmente, tornar-se mais severa. Mil pressentimentos alarmantes e ruins sobre sua querida Catherine, por essa terrível separação, deveriam oprimir seu coração com tristeza e afogá-la em lágrimas no último ou penúltimo dia juntas, e o conselho da mais importante e aplicável natureza deveria, claro, fluir de seus sábios lábios, na conversa de despedida em seu quarto. Precauções contra a violência de lordes e de barões quanto ao prazer em forçar jovens damas para alguma remota casa no campo deveriam, em tal momento, aliviar seu coração aflito. Quem não pensaria assim? Mas a senhora Morland sabia tão pouco sobre lordes e barões que não tinha nenhuma noção de suas maldades em geral, e era totalmente ingênua quanto aos perigos das maquinações contra sua filha. Seus cuidados se restringiram aos seguintes aspectos: “Te peço, Catherine, que sempre se agasalhe muito bem na garganta, ao sair dos salões à noite. Espero que sempre tente manter conta do dinheiro que gastar. Para isso, leve esta pequena caderneta”.
Sally, ou melhor, Sarah (pois, qual menina com um nome comum chega aos 16 anos sem mudar seu nome para o mais diferente possível?) deveria, pela situação daquele momento, ser a amiga íntima e a confidente de sua irmã. É notável, porém, que ela nem tenha insistido para que Catherine lhe enviasse uma carta a cada passagem do carteiro, nem cobrasse dela a promessa de transmitir o caráter de cada novo amigo, ou o detalhe de cada conversa interessante que Bath pudesse lhe prover. Tudo o que se relacionava diretamente a essa importante viagem foi feito pelos Morland com uma dose de moderação e de compostura, o que parecia bem mais coerente com os sentimentos comuns da vida cotidiana, do que com as refinadas suscetibilidades ou as suaves emoções que a primeira separação de uma heroína de sua família sempre deveria suscitar. Seu pai, ao invés de lhe dar uma ordem ilimitada ao seu banqueiro, ou mesmo colocar uma nota de 100 libras em suas mãos, deu-lhe apenas dez guinéus e prometeu mais assim que ela quisesse.
Sob estes auspícios nada promissores, a partida ocorreu e a viagem começou. Foi executada com adequada quietude e tranquila segurança. Nem ladrões ou tempestades os acompanharam. Nem uma afortunada reviravolta para apresentá-los a um herói. Nada mais alarmante ocorreu além de um susto, da parte da senhora Allen, por ter esquecido seus tamancos em uma estalagem, o que se provou, por sorte, infundado.
Chegaram a Bath. Catherine estava ansiosa e encantada. Seus olhos estavam aqui, ali, em todo o lugar, enquanto se aproximavam de seus belos e impactantes arredores, passando, em seguida, por aquelas ruas que os conduziam ao hotel. Ela queria estar feliz e já se sentia assim.
Logo se instalaram em confortáveis habitações em Pulteney Street.
Agora é adequado fornecer alguma descrição da senhora Allen, para que o leitor possa julgar de que maneira suas ações irão, doravante, inclinar-se em promover a desgraça de todos os acontecimentos, e como ela provavelmente contribuirá para submeter a pobre Catherine à infelicidade e ao desespero – fazendo com que uma nova obra fosse necessária –, seja pela sua imprudência, vulgaridade ou ciúme, seja por interceptar suas cartas, destruir seu caráter ou expulsá-la de casa.
A senhora Allen era daquele tipo de mulher cuja companhia poderia suscitar nenhuma outra emoção que a surpresa por haver algum homem no mundo que a apreciaria tanto, a ponto de se casar com ela. Não tinha beleza, gênio, prendas ou modos. O tom de uma dama, uma boa porção de temperamento tranquilo por natureza, um insignificante voluteio de espírito, era tudo o que se podia atribuir para que ela fosse a escolha de um homem sensível e inteligente como o senhor Allen. Em um aspecto ela era admiravelmente talentosa: em apresentar uma jovem dama ao público, pois ela era tão apaixonada por ir a todos os lugares e ver a tudo, que qualquer jovem dama poderia se tornar também. A moda era sua paixão. Ela tinha um prazer bem inofensivo em estar elegante. E a entrée de nossa heroína na vida não poderia ocorrer antes de três ou quatro dias aprendendo o que mais se usava, e de sua acompanhante ganhar um vestido da última moda. Catherine também fez, sozinha, algumas compras, e quando todos esses assuntos foram resolvidos, a importante noite em que ela seria levada aos Salões Superiores chegou. Ela cortou o cabelo e se cobriu com as melhores roupas, todas vestidas com cuidado, e tanto a senhora Allen quanto sua criada declararam que ela se aparentava como deveria.
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