A desobediência civil

A desobediência civil
henry david thoreau nasceu em 1817, no estado norte-americano de Massachusetts. Graduou-se em Harvard aos vinte anos. Apreciava os clássicos gregos e latinos, a literatura inglesa do século xvii e as escrituras orientais. Sua postura retirada e solitária o impediu de engajar-se numa profissão: foi professor primário, tutor, jardineiro, palestrante, fabricante de lápis e agrimensor. Essas tarefas eram desenvolvidas apenas como forma de subsistência, já que sua principal atividade era a escrita. Iniciou um jornal em 1837 e o manteve até o fim da vida. Em 22 anos acumulou 39 volumes manuscritos, a partir dos quais foi extraída sua principal obra, , na qual descreve suas experiências em dois anos de reclusão na floresta. Durante seu retiro, foi preso por negar-se a pagar impostos, episódio que culminou no ensaio Seu gosto pela liberdade o fez tomar partido na luta contra a escravidão. Morreu em 1862, aos 44 anos, vítima de tuberculose.
josé geraldo couto nasceu em Jaú, interior de São Paulo, em 1957. É jornalista e crítico de cinema. Trabalhou durante mais de vinte anos para a. É tradutor do inglês e do espanhol. Do inglês traduziu, entre outros autores, Henry James, Saul Bellow, Norman Mailer, Truman Capote, Michael Cunningham e Martin Scorsese. Do espanhol, Adolfo Bioy Casares e Enrique Vila-Matas.

Sumário
A desobediência civil
Onde vivi, e para quê
A escravidão em Massachusetts
Caminhar
Vida sem princípios
A desobediência civil1
[1849]
Aceito de bom grado a divisa “O melhor governo é o que menos governa”,2 e gostaria de vê-la aplicada de modo mais rápido e sistemático. Levada a cabo, ela resulta por fim nisto, em que também acredito: “O melhor governo é o que absolutamente não governa”, e quando os homens estiverem preparados para tanto, esse será o tipo de regência que terão. Na melhor das hipóteses, o governo não é mais que uma conveniência; mas a maioria deles é, em geral (e alguns o são às vezes), inconveniente. As objeções levantadas contra um exército permanente — e elas são muitas e convincentes, e merecem se impor — podem também ser levantadas afinal contra um governo permanente. O exército permanente é somente um braço do governo permanente. O governo em si, que é apenas o modo que o povo escolheu para executar sua vontade, está igualmente sujeito ao abuso e à perversão antes que o povo possa agir por meio dele. Prova disso é a atual guerra mexicana, obra de relativamente poucos indivíduos que usam o governo permanente como seu instrumento, pois, desde o princípio, o povo não teria consentido semelhante iniciativa.3
O que é este governo americano senão uma tradição, ainda que recente, empenhada em se transmitir intacta à posteridade, mas a cada instante perdendo um pouco de sua integridade? Não tem a vitalidade e a força de um único homem vivo, pois um único homem pode dobrá-lo à sua vontade. É uma espécie de revólver de brinquedo para o próprio povo.4 Mas nem por isso é menos necessário; pois o povo precisa dispor de um ou outro maquinário complicado, e ouvir seu estrondo, para satisfazer sua ideia de governo. Os governos nos mostram, desta maneira, com que êxito os homens podem ser subjugados, inclusive por si mesmos, em proveito próprio. É ótimo, devemos todos admitir. No entanto, esse governo nunca levou a cabo empreendimento algum, a não ser pela presteza com que deixa livre o caminho. Não é ele que mantém o país livre. Não é ele que coloniza o Oeste. Não é ele que educa. O caráter inerente ao povo americano é que fez tudo o que se conseguiu até agora, e teria feito ainda pouco mais, se o governo às vezes não atrapalhasse. Pois o governo é um expediente mediante o qual os homens, de bom grado, deixariam uns aos outros em paz; e, como foi dito, quanto mais conveniente ele for, mais os governados serão deixados em paz. O comércio e os negócios, se não fossem feitos de borracha da Índia, nunca conseguiriam saltar os obstáculos que os legisladores estão pondo o tempo todo em seu caminho.
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