Isso, de acordo com Paley, seria inconveniente. Mas aquele que quer salvar sua vida dessa maneira deve perdê-la.11 Este povo deve parar de manter escravos, e de guerrear contra o México, ainda que isso custe a ele sua existência como povo.

Em sua prática, as nações concordam com Paley; mas será que alguém julga que Massachusetts faz exatamente o que é certo na crise atual?

 

Uma meretriz de classe, uma rameira com roupa de prata

Ergue a cauda do vestido, e arrasta a alma na lama.12

 

Falando em termos práticos, os adversários de uma reforma em Massachusetts não são 100 mil políticos do Sul, mas 100 mil comerciantes e fazendeiros daqui, que estão mais interessados no comércio e na agricultura do que na humanidade, e não estão preparados para fazer justiça aos escravos e ao México, custe o que custar. Não discuto com inimigos distantes, mas com aqueles que, perto da minha casa, obedecem e cooperam com os que estão longe, e que sem eles seriam inofensivos. Estamos habituados a dizer que as massas são despreparadas; mas o aprimoramento é lento, porque a minoria não é essencialmente mais sábia ou melhor que a maioria. Mais importante do que haver muitos que sejam bons como você é haver em algum lugar a excelência absoluta, pois isso fará fermentar a massa como um todo.13 Há milhares que se opõem em tese à escravidão e à guerra, mas que nada fazem efetivamente para pôr fim a elas. Há muitos que, considerando-se filhos de Washington e Franklin, ficam sentados de braços cruzados e dizem não saber o que fazer, e nada fazem; muitos que até mesmo subordinam a questão da liberdade à questão do livre-comércio, e que leem tranquilamente, depois do jantar, as cotações do dia junto com as últimas notícias vindas do México, e possivelmente adormecem sobre ambas. Quanto vale um homem honesto e patriota nos dias de hoje? Eles hesitam, lamentam e às vezes reivindicam; mas não fazem nada a sério e para valer. Esperarão, com boa vontade, que outros curem o mal, para que eles não mais tenham que lastimá-lo. Na melhor das hipóteses, eles se limitarão a dar um voto fácil, um débil apoio e um desejo de boa sorte aos corretos, quando a ocasião se apresentar. Há 999 arautos da virtude para cada homem virtuoso. Porém é mais fácil lidar com o real possuidor de uma coisa do que com seu guardião temporário.

Toda votação é uma espécie de jogo, como damas ou gamão, com um leve matiz moral, uma brincadeira em que existem questões morais, o certo e o errado, e evidentemente é acompanhada de apostas. O caráter dos votantes não entra em jogo. Deposito meu voto, talvez, de acordo com o que julgo correto; mas não estou vitalmente preocupado com a vitória do certo. Estou disposto a deixar isso para a maioria. A obrigação do voto, portanto, nunca vai além do que é conveniente. Mesmo votar pelo que é correto não é o mesmo que fazer alguma coisa por ele. É apenas expressar debilmente aos outros o desejo de que o certo prevaleça. Um homem sábio não deixará o que é correto à mercê da sorte, nem desejará que ele prevaleça mediante o poder da maioria. Há pouca virtude na ação das massas. Quando a maioria finalmente votar pela abolição da escravidão, isso se dará porque a escravidão lhe é indiferente, ou porque terá restado pouca escravidão a ser abolida por seu voto. A essa altura serão eles, os da maioria, os únicos escravos. Só pode apressar a abolição o voto daquele que afirma sua própria liberdade por meio do voto.

Ouço dizer que será realizada em Baltimore, ou alhures, uma convenção para a escolha de um candidato à presidência, com a participação predominante de editores e políticos profissionais; mas me pergunto: Para qualquer homem independente, inteligente e respeitável, que importância pode ter a decisão tomada pela convenção?

Não usufruiremos, de todo modo, do privilégio da sabedoria e da honestidade desse homem? Não podemos contar com alguns votos independentes? Não existem neste país muitos indivíduos que não participam de convenções? Mas não: descubro que o homem respeitável, ou assim chamado, abandonou prontamente sua posição e não espera mais nada de seu país, quando é o seu país que tem mais motivos para nada mais esperar dele. Ele mais que depressa adota um dos candidatos assim escolhidos como o único disponível, provando desse modo que ele próprio está disponível para todos os propósitos do demagogo. Seu voto não tem mais valor do que o de qualquer forasteiro sem princípios ou nativo mercenário, que pode muito bem ter sido comprado. Oh, mas um homem que é de fato um homem, como diz meu vizinho, tem uma coluna dorsal que não se verga! Nossas estatísticas estão incorretas: gente demais foi computada. Quantos verdadeiros homens existem em cada quilômetro quadrado neste país? Quando muito, um. Será que a América não oferece atrativos para que os homens aqui se estabeleçam? O homem norte-americano foi definhando até virar um Odd Fellow14 — alguém conhecido pela hipertrofia de seu caráter gregário, por uma manifesta falta de intelecto e de animada autoconfiança; alguém cuja principal preocupação, ao vir para este mundo, é saber se os abrigos de pobres estão em boas condições; e que, antes mesmo de vestir a túnica viril,15 angaria donativos para o sustento de viúvas e órfãos; alguém, em suma, que só ousa viver com a ajuda da companhia de Auxílio Mútuo, que lhe prometeu um enterro decente.

Não é obrigação de um homem, evidentemente, dedicar-se à erradicação de um mal qualquer, nem mesmo do maior que exista; ele pode muito bem ter outras preocupações que o absorvam. Mas é seu dever, pelo menos, manter as mãos limpas e, mesmo sem pensar no assunto, recusar o apoio prático ao que é errado. Se eu me dedico a outros planos e atividades, devo antes de mais nada garantir, no mínimo, que para realizá-los não estarei pisando nos ombros de outro homem. Devo sair de cima dele para que também ele possa perseguir seus objetivos.

Vejam como uma incoerência das mais graves é tolerada.