Como é escassa entre nós a apreciação da beleza da paisagem! É preciso que nos digam que os gregos chamavam o mundo de Kósmos — Beleza, ou Ordem —, mas não vemos com clareza por que eles faziam isso, e reduzimos o assunto a um curioso fato filológico.
De minha parte, sinto que, no que tange à Natureza, vivo uma espécie de vida de fronteira, nos confins de um mundo ao qual faço apenas incursões ocasionais e transitórias, e meu patriotismo e minha lealdade a um Estado em cujos territórios pareço me refugiar são como os de um saqueador de fronteira. Para uma vida que chamo de natural eu seguiria de bom grado até mesmo um fogo-fátuo através de pântanos e lamaçais inimagináveis, mas nenhuma lua ou vaga-lume me mostrou o caminho até ela. A Natureza é uma entidade tão vasta e universal que nunca teremos visto direito sequer um de seus aspectos. O caminhante nos campos familiares que se estendem em torno da minha cidade natal encontra-se às vezes numa terra diversa daquela que é descrita nas escrituras de seus proprietários, como se estivesse num campo distante, além dos confins da Concord real, onde cessa a jurisdição do município e a própria ideia que a palavra Concord sugere deixa de fazer sentido.n Essas fazendas das quais eu mesmo fiz o levantamento topográfico, essas linhas divisórias que eu mesmo demarquei, tudo parece ficar indistinto como se estivesse sob uma névoa; mas não existe nenhuma química capaz de fixar essa paisagem; dissipa-se na superfície das lentes; e a pintura feita pelo artista mal emerge à superfície da tela. Não resta vestígio algum do mundo a que estamos habituados, e ele não será celebrado.
Fiz, uma tarde dessas, uma caminhada pela fazenda de Spaulding. Vi o sol do crepúsculo banhar o outro lado de um imponente bosque de pinheiros. Os raios dourados penetravam pelas fileiras de árvores como se adentrassem um salão nobre. Aquilo me impressionou como se uma antiga família, sumamente admirável e ilustre, tivesse ocupado aquela parte desconhecida para mim da terra chamada Concord — uma família de quem o sol era servidor, uma família que não ingressara na sociedade do vilarejo e que não recebia visitas. Vi o jardim deles, seu parque infantil, do outro lado do bosque, no prado de mirtilos de Spaulding. Os pinheiros, ao crescer, forneciam-lhes arestas para a construção. A casa deles não era muito visível, pois as árvores cresciam por todo lado. Não tenho certeza se ouvi sons de risos reprimidos. Eles pareciam repousar ao sol. Têm filhos e filhas. Estão muito bem. A estradinha da fazenda, que passa diretamente pela sala da casa deles, não os perturba nem um pouco — é como o fundo lodoso de um charco que às vezes é visto através dos céus refletidos na superfície. Nunca ouviram falar de Spaulding, e nem sabem que ele é seu vizinho — apesar de eu tê-lo ouvido assobiar enquanto atravessava a casa conduzindo sua junta. Nada se iguala à serenidade da vida deles. Seu brasão é um singelo líquen. Eu o vi pintado nos pinheiros e carvalhos. Seus sótãos ficam nos topos das árvores. Eles são alheios à política. Não havia ruído que indicasse trabalho. Não os vejo tecendo nem fiando. No entanto detectei, quando o vento amainou e os ruídos cessaram, a mais doce e sutil das músicas, entoada com os lábios fechados — como um zumbido de colmeia distante em maio —, que era talvez o som dos pensamentos deles. Eles não tinham pensamentos ociosos, e ninguém de fora podia ver o trabalho da família, pois sua atividade não era do tipo que deixa arestas e nós à mostra.
Mas, para mim, é difícil recordá-los. Eles se dissipam irrevogavelmente na minha mente mesmo agora enquanto falo e tento evocá-los, organizando as ideias. É só depois de um longo e árduo esforço para recompor meus melhores pensamentos que me torno novamente consciente de sua presença aqui perto. Se não fosse por famílias como essa, acho que eu iria embora de Concord.
Na Nova Inglaterra temos o costume de dizer que cada vez menos pombos nos visitam a cada ano. Nossas matas já não fornecem castanhas para sua alimentação.
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