Pois não importa quão pequeno possa parecer o ponto de partida: o que é bem-feito é para sempre. Mas gostamos mais de falar sobre o assunto: dizemos ser essa a nossa missão. As reformas têm um grande número de jornais a seu serviço, mas nem sequer um único homem. Se, em vez de ser ameaçado de prisão na Carolina, meu estimado concidadão, o embaixador do estado de Massachusetts,19 que dedica seus dias à resolução da questão dos direitos humanos na Câmara do Conselho, fosse prisioneiro de Massachusetts, o estado que é tão ansioso em imputar o pecado da escravidão ao estado irmão — embora, hoje, só possa apontar um ato de inospitalidade como causa de desavença com ele —, a Legislatura não deixaria inteiramente de lado o assunto no próximo inverno.

Em um governo que aprisiona qualquer um injustamente, o verdadeiro lugar para um homem justo é também a prisão. O local apropriado hoje, o único que Massachusetts propicia para seus espíritos mais livres e menos desesperançados, são as prisões, nas quais serão enfiados e excluídos do estado por ação deste, os mesmos homens que se retiraram a si mesmos por seus próprios princípios. É ali que deveriam encontrá-los o escravo fugitivo, o prisioneiro mexicano em liberdade condicional e o índio que protesta contra as injustiças sofridas por sua raça; naquele terreno recluso, porém mais livre e honrado, onde o Estado coloca os que não estão com ele, mas contra ele — a única casa num estado escravo na qual um homem livre pode viver honradamente. Se alguém julga que sua influência ali se perderá, que sua voz não atingirá mais os ouvidos do Estado, e que não será um inimigo efetivo dentro de suas muralhas, é porque não sabe o quanto a verdade é mais forte do que o erro, nem o quanto pode combater a injustiça com mais eloquência e eficácia quem experimentou um pouco dela em sua própria pessoa. Expresse seu voto por inteiro, não por meio de uma simples folha de papel, mas por toda a sua influência. Uma minoria é impotente enquanto se conforma à maioria; não chega nem a ser uma minoria, então; mas é irresistível quando intervém com todo o seu peso. Se a alternativa for entre colocar todos os homens justos na prisão ou desistir da guerra e da escravidão, o Estado não hesitará em sua escolha. Se mil homens deixassem de pagar seus impostos este ano, isso não seria uma atitude violenta e sangrenta; violento e sangrento seria pagá-los, capacitando o Estado a cometer violência e derramar sangue inocente. Esta é, com efeito, a definição de uma revolução pacífica, se tal coisa é possível. Se o coletor de impostos, ou qualquer outro servidor público, perguntar-me, como já fez uma vez, “Mas então o que devo fazer?”, minha resposta será: “Se quer mesmo fazer alguma coisa, demita-se de seu cargo”. Quando o súdito recusa sua submissão e o funcionário se demite do cargo, a revolução se consuma. Mas suponhamos, até, que se chegue a derramar sangue. Já não há uma espécie de derramamento de sangue quando a consciência é ferida? Por esse ferimento escorrem a verdadeira hombridade e a imortalidade de um homem, e ele sangra até a morte definitiva. Vejo agora mesmo esse sangue correr.

Refleti sobre o encarceramento do infrator, e não sobre a apreensão de seus bens — embora ambos os atos sirvam ao mesmo propósito —, porque os que se batem pela mais pura justiça, e consequentemente são mais perigosos para um Estado corrupto, não costumam dedicar muito tempo a acumular propriedades. A esses o Estado presta comparativamente poucos serviços, e um pequeno imposto costuma ser considerado exorbitante, sobretudo se eles são obrigados a pagá-lo com dinheiro obtido com trabalho braçal. Se houvesse alguém que vivesse inteiramente sem o uso do dinheiro, o próprio Estado hesitaria em exigir-lhe algum. Mas o homem rico — sem querer fazer uma comparação invejosa — está sempre vendido à instituição que o torna rico. Falando em termos gerais, quanto mais dinheiro, menos virtude, pois o dinheiro se interpõe entre um homem e seus objetivos, e os alcança para ele, e certamente não há grande mérito em alcançá-los dessa maneira. Agindo assim, ele deixa de lado muitas questões que, de outro modo, seria obrigado a responder; ao passo que a única nova questão que ele se coloca é a difícil e supérflua de saber como gastar o dinheiro. Assim, seu terreno moral é tirado de sob seus pés. As oportunidades de viver diminuem na mesma proporção em que se acumulam os chamados “meios”. Quando fica rico, o melhor que um homem tem a fazer por sua cultura é tentar levar a cabo os planos que cogitava quando era pobre. Cristo respondeu aos súditos de Herodes de acordo com a situação deles. “Mostrai-me o dinheiro dos tributos”, disse; e um dos homens tirou do bolso uma moeda. Se vocês usam dinheiro com a imagem de César gravada, e que se tornou corrente e válido, isto é, se vocês são homens do Estado, e com alegria usufruem as vantagens do governo de César, então restituam-lhe um pouco do que é dele quando ele o exige: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”,20 disse, deixando-os sem saber mais do que antes sobre qual era qual, pois eles mesmos não queriam saber.

Quando converso com os mais livres dos meus concidadãos, percebo que, não importa o que eles possam dizer sobre a magnitude e a seriedade da questão, e qualquer que seja seu apreço pela tranquilidade pública, o fato é que eles não podem abrir mão da proteção do governo atual e temem as consequências da desobediência sobre suas propriedades e suas famílias. De minha parte, não gosto de pensar que um dia venha a depender da proteção do Estado. Mas, se eu nego sua autoridade quando ele impõe seus tributos, ele logo tomará e devastará todas as minhas propriedades, e importunará a mim e a meus filhos para sempre.