Do rio saem centelhas que formam flores e depois voltam para as ondas. Enfim vê uma grande rosa de luz na qual aparecem anjos e os bem-aventurados. No meio há um trono preparado para o imperador Henrique VII.

Forse semilia miglia di lontano

ci ferve l’ora sesta, e questo mondo

china già l’ombra quasi al letto piano,

Talvez milhas seis mil de nós distando,

A hora sexta ferve e deste mundo

A sombra vai-se ao nível inclinando,

quando ’l mezzo del cielo, a noi profondo,

comincia a farsi tal, ch’alcuna stella

perde il parere infino a questo fondo;

Quando o meio do céu, p'ra nós profundo,

Tal se faz que não mostra o seu semblante

Mais de uma estrela deste val ao fundo;

e come vien la chiarissima ancella

del sol più oltre, così ’l ciel si chiude

di vista in vista infino a la più bella.

E enquanto vem do sol a radiante

Núncia, o céu olhos cerra, adormecido

Um após outro até o mais brilhante:

Non altrimenti il trïunfo che lude

sempre dintorno al punto che mi vinse,

parendo inchiuso da quel ch’elli ’nchiude,

Tal o triunfo, sem cessar movido

De gáudio, em torno ao Ponto deslumbroso,

Que parece, contendo estar contido,

a poco a poco al mio veder si stinse:

per che tornar con li occhi a Bëatrice

nulla vedere e amor mi costrinse.

Extinguiu-se aos meus olhos vagaroso.

Não vendo a pompa mais, a amor cedendo,

A Beatriz voltei-me fervoroso.

Se quanto infino a qui di lei si dice

fosse conchiuso tutto in una loda,

poca sarebbe a fornir questa vice.

Num só louvor eu, resumir querendo

Dela o que vezes mil tenho cantado,

Frustara o intento, o esforço meu perdendo.

La bellezza ch’io vidi si trasmoda

non pur di là da noi, ma certo io credo

che solo il suo fattor tutta la goda.

Pelo humano ideal imaginado

Não seria o primor, que vi mas, creio,

Gozá-lo todo, só a Deus é dado.

Da questo passo vinto mi concedo

più che già mai da punto di suo tema

soprato fosse comico o tragedo:

Neste árduo passo superado, anseio:

Vate jamais em trágico poema

Ou cômico sentiu tamanho enleio;

ché, come sole in viso che più trema,

così lo rimembrar del dolce riso

la mente mia da me medesmo scema.

Quanto a vista ao clarão do sol mais trema.

Tanto a memória do seu doce riso

As potências do espírito me algema.

Dal primo giorno ch’i’ vidi il suo viso

in questa vita, infino a questa vista,

non m’è il seguire al mio cantar preciso;

Dês que vi do seu gesto o paraíso

Na terra até me alçar a visão pura

Meu canto renovar não foi preciso.

ma or convien che mio seguir desista

più dietro a sua bellezza, poetando,

come a l’ultimo suo ciascuno artista.

Mas seguir-lhe a sublime formosura

Nos versos meus agora não me atrevo,

Como artista, que o extremo esforço apura.

Cotal qual io la lascio a maggior bando

che quel de la mia tuba, che deduce

l’ardüa sua matera terminando,

Beatriz, sendo tal que a deixar devo

A tuba, mais que a minha, sonorosa,

Enquanto esta árdua empresa ao termo levo,

con atto e voce di spedito duce

ricominciò: «Noi siamo usciti fore

del maggior corpo al ciel ch’è pura luce:

Com gesto e voz de guia cuidadosa,

— “Ao céu que é pura luz” — disse — “ao presente

Alçamo-nos da esfera mais vultosa,

luce intellettüal, piena d’amore;

amor di vero ben, pien di letizia;

letizia che trascende ogne dolzore.

“Luz intelectual, de amor ardente,

Amor do sumo bem, que enche a alegria;

Alegria em dulçores transcendente.

Qui vederai l’una e l’altra milizia

di paradiso, e l’una in quelli aspetti

che tu vedrai a l’ultima giustizia».

“Do céu verás, na santa bizarria,

Uma e outra milícia: uma no aspeto

Que hás de ver do final Juízo em dia.”

Come sùbito lampo che discetti

li spiriti visivi, sì che priva

da l’atto l’occhio di più forti obietti,

Como aos visivos espíritos direto

Relâmpago, que a ação lhes tolhe e os priva

De discernir o mais patente objeto,

così mi circunfulse luce viva,

e lasciommi fasciato di tal velo

del suo fulgor, che nulla m’appariva.

Circunfluiu-me assim uma luz viva

Com véu do seu fulgor, que me impedia

Em claridade ver tanto excessiva.

«Sempre l’amor che queta questo cielo

accoglie in sé con sì fatta salute,

per far disposto a sua fiamma il candelo».

— “Sempre o Amor, que este céu tanto extasia,

Por ser o círio à flama aparelhado,

Este saudar a quem recebe envia.” —

Non fur più tosto dentro a me venute

queste parole brievi, ch’io compresi

me sormontar di sopr’ a mia virtute;

Bem não tinha estas vozes escutado,

Eis senti que virtude milagrosa

A força minha havia sublimado;

e di novella vista mi raccesi

tale, che nulla luce è tanto mera,

che li occhi miei non si fosser difesi;

Senti vista mais que antes poderosa

E tal, que a luz mais penetrante e pura

Afrontar poderia valorosa.

e vidi lume in forma di rivera

fulvido di fulgore, intra due rive

dipinte di mirabil primavera.

Fúlvido lume um rio me afigura,

Entre margens correndo, que esmaltava

A primavera da celeste altura.

Di tal fiumana uscian faville vive,

e d’ogne parte si mettien ne’ fiori,

quasi rubin che oro circunscrive;

Do seio essa corrente arremessava

Centelhas; que entre as flores se espargiam

Como rubis, que o ouro circundava.

poi, come inebrïate da li odori,

riprofondavan sé nel miro gurge,

e s’una intrava, un’altra n’uscia fori.

Quando ébrias de perfumes pareciam

Reprofundavam na ribeira bela:

Se umas entravam, outras emergiam.

«L’alto disio che mo t’infiamma e urge,

d’aver notizia di ciò che tu vei,

tanto mi piace più quanto più turge;

— “O desejo, que te urge e te desvela,

De saber quanto vês maravilhado

Me agrada neste excesso que revela.

ma di quest’ acqua convien che tu bei

prima che tanta sete in te si sazi»:

così mi disse il sol de li occhi miei.

“Não serás em tal sede saciado

Senão dessa água tendo já bebido” —

Dos meus olhos o sol me há declarado.

Anche soggiunse: «Il fiume e li topazi

ch’entrano ed escono e ’l rider de l’erbe

son di lor vero umbriferi prefazi.

“Os topázios, que movem-se, o luzido

Rio e das flores o matiz ridente

Prefácio umbroso da verdade hão sido.

Non che da sé sian queste cose acerbe;

ma è difetto da la parte tua,

che non hai viste ancor tanto superbe».

“Não, por ser isto impenetrável à mente,

Mas por defeito da fraqueza tua,

Que te veda visão tanto eminente.” —

Non è fantin che sì sùbito rua

col volto verso il latte, se si svegli

molto tardato da l’usanza sua,

Não há criança, que tão presto rua

Ao seio maternal, em despertando

Mais tarde do que está na usança sua,

come fec’ io, per far migliori spegli

ancor de li occhi, chinandomi a l’onda

che si deriva perché vi s’immegli;

Como eu: melhor espelho desejando

Fazer dos olhos, à água me inclinava,

Que flui, pureza e perfeição nos dando.

e sì come di lei bevve la gronda

de le palpebre mie, così mi parve

di sua lunghezza divenuta tonda.

Das pálpebras apenas se molhava

A borda, a forma, que antes vi comprida,

Do rio, circular se apresentava.

Poi, come gente stata sotto larve,

che pare altro che prima, se si sveste

la sembianza non süa in che disparve,

Como quem sob a máscara escondida

A face teve e logo diferente

Se mostra, essa aparência removida,

così mi si cambiaro in maggior feste

li fiori e le faville, sì ch’io vidi

ambo le corti del ciel manifeste.

Assim flores, centelhas, mais fulgente

Alegria mostraram e eu já via

Do céu ambas as cortes claramente,

O isplendor di Dio, per cu’ io vidi

l’alto trïunfo del regno verace,

dammi virtù a dir com’ ïo il vidi!

Ó de Deus esplendor, por quem já via

O triunfo do reino da verdade,

Dá-me valor; que eu diga o que já via.

Lume è là sù che visibile face

lo creatore a quella creatura

che solo in lui vedere ha la sua pace.

Lá alto há luz de tanta claridade,

Que Deus visível faz à criatura,

Que em vê-lo tem da paz a f'licidade.

E’ si distende in circular figura,

in tanto che la sua circunferenza

sarebbe al sol troppo larga cintura.

Ela se estende em circular figura,

Tão vasta que o seu âmbito faria

Ao sol desmarcadíssima cintura.

Fassi di raggio tutta sua parvenza

reflesso al sommo del mobile primo,

che prende quindi vivere e potenza.

Um raio era o que dela aparecia

Refletido no Móbile Primeiro,

A que assim vida e influxo principia.

E come clivo in acqua di suo imo

si specchia, quasi per vedersi addorno,

quando è nel verde e ne’ fioretti opimo,

Qual em cristal do próximo ribeiro

Se espelha, como para ver as flores

E verdura, que o vestem, lindo outeiro,

sì, soprastando al lume intorno intorno,

vidi specchiarsi in più di mille soglie

quanto di noi là sù fatto ha ritorno.

Miravam-se, da luz aos esplendores,

De degraus em milhões almas tornadas

Da terra para os célicos fulgores.

E se l’infimo grado in sé raccoglie

sì grande lume, quanta è la larghezza

di questa rosa ne l’estreme foglie!

Se claridades tantas derramadas

Stão no imo degrau, como da Rosa

No cimo hão de as grandezas ser esmadas?

La vista mia ne l’ampio e ne l’altezza

non si smarriva, ma tutto prendeva

il quanto e ’l quale di quella allegrezza.

Sem turbar-me, a amplitude portentosa,

Notava o qual e o quanto da alegria,

Em que se enleva aquela grei ditosa.

Presso e lontano, lì, né pon né leva:

ché dove Dio sanza mezzo governa,

la legge natural nulla rileva.

De perto, ao longe igual resplendecia;

Pois onde por si mesmo Deus governa

Da natureza a lei não mais regia.

Nel giallo de la rosa sempiterna,

che si digrada e dilata e redole

odor di lode al sol che sempre verna,

Ao centro áureo da Rosa sempiterna,

Que em degraus dilatada rescendia

Louvor ao sol da primavera eterna,

qual è colui che tace e dicer vole,

mi trasse Bëatrice, e disse: «Mira

quanto è ’l convento de le bianche stole!

Como quem cala, mas falar queria,

Beatriz, me atraindo, disse: — “Atenta

Dos brancos véus na imensa jerarquia

Vedi nostra città quant’ ella gira;

vedi li nostri scanni sì ripieni,

che poca gente più ci si disira.

“O espaço vê, que esta cidade ostenta!

Quanto cada fileira está cerrada!

A poucos lugar vago se apresenta.

E ’n quel gran seggio a che tu li occhi tieni

per la corona che già v’è sù posta,

prima che tu a queste nozze ceni,

“Essa grande cadeira assinalada

Já de coroa, que te move espanto,

Antes de teres nesta boda entrada,

sederà l’alma, che fia giù agosta,

de l’alto Arrigo, ch’a drizzare Italia

verrà in prima ch’ella sia disposta.

“Será de Henrique excelso, que há de o manto

Vestir de Augusto, para a Itália vindo

Antes de afeita ao regimento santo.

La cieca cupidigia che v’ammalia

simili fatti v’ha al fantolino

che muor per fame e caccia via la balia.

“Cega cobiça, a tantos iludindo,

Iguais vos torna a infante, que sem tino

De ama o seio não quer, fome sentindo.

E fia prefetto nel foro divino

allora tal, che palese e coverto

non anderà con lui per un cammino.

“Será então Prefeito no divino

Foro aquele, que, oculto ou descoberto,

Não há de ser de acompanhá-lo di'no.

Ma poco poi sarà da Dio sofferto

nel santo officio; ch’el sarà detruso

là dove Simon mago è per suo merto,

“A Deus, porém, apraz que esteja perto

Tempo, em que perderá cargo sagrado!

Terá com Simão Mago o lugar certo,

e farà quel d’Alagna intrar più giuso».

E o de Anagni será mais soterrado.” —

Canto XXXI

Canto XXXI, il quale tratta come l’auttore fue lasciato da Beatrice e trovò Santo Bernardo, per lo cui conducimento rivide Beatrice ne la sua gloria; poi pone una orazione che Dante fece a Beatrice che pregasse per lui lo nostro Segnore Iddio e la nostra Donna sua Madre; e come vide la Divina Maestà.

Enquanto Dante contempla a rosa do Paraíso, Beatriz sobe e vai ocupar o lugar que lhe pertence, no meio dos bem-aventurados. S. Bernardo é o último guia de Dante. Ele lhe indica a Virgem Maria, toda brilhante de luz celeste.

In forma dunque di candida rosa

mi si mostrava la milizia santa

che nel suo sangue Cristo fece sposa;

Forma assumindo de uma branca rosa,

Tinha ante os olhos a milícia santa,

Que em seu sangue fez Cristo sua Esposa.

ma l’altra, che volando vede e canta

la gloria di colui che la ’nnamora

e la bontà che la fece cotanta,

A outra, que, adejando, vê, decanta

Do Onipotente a glória, que a enamora,

E a bondade, que deu-lhe alteza tanta,

sì come schiera d’ape che s’infiora

una fïata e una si ritorna

là dove suo laboro s’insapora,

Bem como abelhas, cujo enxame agora

Nas flores se apascenta, agora torna

À colmeia, onde os favos elabora,

nel gran fior discendeva che s’addorna

di tante foglie, e quindi risaliva

là dove ’l süo amor sempre soggiorna.

Descia à flor imensa que se adorna

De folhas tantas, e depois subia

Ao centro, onde o amor seu sempre sojorna.

Le facce tutte avean di fiamma viva

e l’ali d’oro, e l’altro tanto bianco,

che nulla neve a quel termine arriva.

Nas faces viva flama refulgia,

Nas asas ouro, em tudo mais alvura,

Que a candidez da neve escurecia.

Quando scendean nel fior, di banco in banco

porgevan de la pace e de l’ardore

ch’elli acquistavan ventilando il fianco.

De sólio em sólio entrando na flor pura

E as asas agitando, derramavam

Ardor e paz, colhidos lá na altura.

Né l’interporsi tra ’l disopra e ’l fiore

di tanta moltitudine volante

impediva la vista e lo splendore:

As multidões aladas, que giravam,

Ao Senhor se interpondo e à flor brilhante,

Nem vista, nem splendores atalhavam,

ché la luce divina è penetrante

per l’universo secondo ch’è degno,

sì che nulla le puote essere ostante.

Que a luz divina cala penetrante

No universo, segundo ele merece;

Nada lhe empece o brilho triunfante.

Questo sicuro e gaudïoso regno,

frequente in gente antica e in novella,

viso e amore avea tutto ad un segno.

O gaudioso império, onde aparece

A par da grei antiga a grei recente

De olhos, de amor num fito se embevece.

Oh trina luce che ’n unica stella

scintillando a lor vista, sì li appaga!

guarda qua giuso a la nostra procella!

Trina luz, que, num astro unicamente,

Fulgindo, alma lhes tens inebriada,

Conosco nas procelas sê clemente!

Se i barbari, venendo da tal plaga

che ciascun giorno d’Elice si cuopra,

rotante col suo figlio ond’ ella è vaga,

Se os Bárbaros, da terra enregelada

Vindos, que Hélice cobre cada dia

No seu giro, do filho acompanhada,

veggendo Roma e l’ardüa sua opra,

stupefaciensi, quando Laterano

a le cose mortali andò di sopra;

A pompa ao ver, que a Roma enobrecia,

Pasmavam, quando já Latrão famoso

Do mundo as maravilhas precedia;

ïo, che al divino da l’umano,

a l’etterno dal tempo era venuto,

e di Fiorenza in popol giusto e sano,

Da terra eu ido ao trono luminoso,

Exalçado do tempo à eterna vida

E de Florença ao reino virtuoso,

di che stupor dovea esser compiuto!

Certo tra esso e ’l gaudio mi facea

libito non udire e starmi muto.

Quanto havia de ter a alma transida!

Nem ouvir, nem falar apetecera:

Tanta alegria ao passo estava unida!

E quasi peregrin che si ricrea

nel tempio del suo voto riguardando,

e spera già ridir com’ ello stea,

Bem como o peregrino considera

O templo, a que seu voto o conduzira,

E o que vê recontar, tornando, espera,

su per la viva luce passeggiando,

menava ïo li occhi per li gradi,

mo sù, mo giù e mo recirculando.

Na ardente luz a minha vista gira

De degrau em degrau, e agora acima,

Abaixo logo e em derredor remira.

Vedëa visi a carità süadi,

d’altrui lume fregiati e di suo riso,

e atti ornati di tutte onestadi.

Rostos eu vi, que a caridade anima

Com lume divinal; seu doce riso

Por suave atrativo se sublima.

La forma general di paradiso

già tutta mïo sguardo avea compresa,

in nulla parte ancor fermato fiso;

Sem deterem-se mais do que o preciso,

Os olhos meus haviam rodeado

Em sua forma geral o Paraíso:

e volgeami con voglia rïaccesa

per domandar la mia donna di cose

di che la mente mia era sospesa.

Vivo desejo em mim stando ateado,

A Beatriz voltei-me; ter queria

A solução do que era inexplicado

Uno intendëa, e altro mi rispuose:

credea veder Beatrice e vidi un sene

vestito con le genti glorïose.

Ao que eu pensava o oposto respondia:

Nos gloriosos trajos de um eleito,

Em vez de Beatriz, um velho eu via.

Diffuso era per li occhi e per le gene

di benigna letizia, in atto pio

quale a tenero padre si convene.

Nos olhos transluzia-lhe e no aspeito

Alegria beni'na e o continente

De pai era, à ternura sempre afeito.

E «Ov’ è ella?», sùbito diss’ io.

Ond’ elli: «A terminar lo tuo disiro

mosse Beatrice me del loco mio;

— “E Beatriz?” — exclamo eu de repente.

Tornou-o: — “Baixar me fez do meu assento

Por contentar o teu desejo ardente.

e se riguardi sù nel terzo giro

dal sommo grado, tu la rivedrai

nel trono che suoi merti le sortiro».

“Verás, do cimo ao círc'lo tércio atento,

Beatriz nesse trono colocada,

Que lhe há dado imortal merecimento.” —

Sanza risponder, li occhi sù levai,

e vidi lei che si facea corona

reflettendo da sé li etterni rai.

Olhos alçando, à Dama sublimada,

Divisei que de c'roa era cingida,

Da eterna luz, em refração, formada.

Da quella regïon che più sù tona

occhio mortale alcun tanto non dista,

qualunque in mare più giù s’abbandona,

Da região etérea a mais subida

Vista mortal, no pego profundando,

De tão longe não fora dirigida,

quanto lì da Beatrice la mia vista;

ma nulla mi facea, ché süa effige

non discendëa a me per mezzo mista.

Como olhos meus, em Beatriz fitando.

Via-a, porém: a efígie livremente

Descia a mim do vulto venerando.

«O donna in cui la mia speranza vige,

e che soffristi per la mia salute

in inferno lasciar le tue vestige,

— “Senhora! Esp'rança minha permanente!

Que não temeste, por me dar saúde,

Teus vestígios deixar no inferno horrente!

di tante cose quant’ i’ ho vedute,

dal tuo podere e da la tua bontate

riconosco la grazia e la virtute.

“De tantas cousas, quantas eu ver pude

Ao teu grande valor e alta bondade

A graça referir devo e virtude.

Tu m’hai di servo tratto a libertate

per tutte quelle vie, per tutt’ i modi

che di ciò fare avei la potestate.

“Sendo eu servo, me deste a liberdade,

Pelos meios e vias conduzido,

De que dispunha a tua potestade.

La tua magnificenza in me custodi,

sì che l’anima mia, che fatt’ hai sana,

piacente a te dal corpo si disnodi».

“Seja eu do teu valor fortalecido,

Porque minha alma, que fizeste pura

Te agrade ao ser seu vínculo solvido.” —

Così orai; e quella, sì lontana

come parea, sorrise e riguardommi;

poi si tornò a l’etterna fontana.

Desta arte orei. Lá da sublime altura,

Em que estava sorrindo-se encarou-me;

Depois voltou-se à eterna Formosura.

E ’l santo sene: «Acciò che tu assommi

perfettamente», disse, «il tuo cammino,

a che priego e amor santo mandommi,

— “Por chegares” — o velho assim falou-me —

“Ao termo da jornada, como anelas,

A que seu rogo e santo amor mandou-me,

vola con li occhi per questo giardino;

ché veder lui t’acconcerà lo sguardo

più al montar per lo raggio divino.

“Teus olhos voem pelas flores belas:

Eles mais hão-de se acender, no esguardo

Para alçar-se ao divino raio, em vê-las.

E la regina del cielo, ond’ ïo ardo

tutto d’amor, ne farà ogne grazia,

però ch’i’ sono il suo fedel Bernardo».

“E a Rainha do céu, por quem eu ardo

Cheio de amor, nos há de ser beni'na,

Pois sou seu servo, o seu fiel Bernardo.” —

Qual è colui che forse di Croazia

viene a veder la Veronica nostra,

che per l’antica fame non sen sazia,

Como quem da Croácia se destina

A ver Santo Sudário em romaria,

Por fama antiga da feição divina;

ma dice nel pensier, fin che si mostra:

’Segnor mio Iesù Cristo, Dio verace,

or fu sì fatta la sembianza vostra?’;

Devoto a contemplar se não sacia,

Dizendo em si: “ó Jesus! meu Deus piedoso!

Tal o semblante vosso parecia!”

tal era io mirando la vivace

carità di colui che ’n questo mondo,

contemplando, gustò di quella pace.

Assim notei o afeito caridoso

Daquele, que em seus êxtases no mundo

A paz celeste prelibou ditoso.

«Figliuol di grazia, quest’ esser giocondo»,

cominciò elli, «non ti sarà noto,

tenendo li occhi pur qua giù al fondo;

— “Filho da graça, este viver jucundo

Ser-te não pode” — prosseguia — “noto,

Se os olhos teus não alças cá do fundo.

ma guarda i cerchi infino al più remoto,

tanto che veggi seder la regina

cui questo regno è suddito e devoto».

“Dos círculos atenta ao mais remoto:

Lá no trono a Rainha está sentada;

Seu reino, o céu, lhe é súdito e devoto.” —

Io levai li occhi; e come da mattina

la parte orïental de l’orizzonte

soverchia quella dove ’l sol declina,

O rosto ergui. Bem como na alvorada

A parte, em que o sol nasce no horizonte

Excede a que franqueia à noite entrada,

così, quasi di valle andando a monte

con li occhi, vidi parte ne lo stremo

vincer di lume tutta l’altra fronte.

Assim, quase a subir de vale a monte,

No píncaro eminente parte eu via

Vencer em lume a qualquer outra fronte.

E come quivi ove s’aspetta il temo

che mal guidò Fetonte, più s’infiamma,

e quinci e quindi il lume si fa scemo,

Como lá donde espera-se do dia

O carro, que perdeu Fetonte, a flama

Aumenta e noutros pontos se embacia,

così quella pacifica oriafiamma

nel mezzo s’avvivava, e d’ogne parte

per igual modo allentava la fiamma;

Assim essa pacífica oriflama

Se avivava no meio; e a cada lado

Por modo igual se enfraquecia a chama.

e a quel mezzo, con le penne sparte,

vid’ io più di mille angeli festanti,

ciascun distinto di fulgore e d’arte.

De milhares o centro rodeado

Stava de anjos voando como em festa,

Cada um na arte e no brilho assinalado.

Vidi a lor giochi quivi e a lor canti

ridere una bellezza, che letizia

era ne li occhi a tutti li altri santi;

De os ver e ouvir contento manifesta

A Beldade: que extremos de alegria

A outros santos nos seus olhos presta.

e s’io avessi in dir tanta divizia

quanta ad imaginar, non ardirei

lo minimo tentar di sua delizia.

Se eu tivera opulenta fantasia

E a eloqüência não menos, desse encanto

Um só traço exprimir não poderia.

Bernardo, come vide li occhi miei

nel caldo suo caler fissi e attenti,

li suoi con tanto affetto volse a lei,

No vivo lume e ao ver Bernardo quanto

Os meus olhos, absortos, se fitavam,

Volveu-lhe os seus, acesos de ardor tanto,

che ’ miei di rimirar fé più ardenti.

Que a mais fervor meu êxtase enalçavam.

Canto XXXII

Canto XXXII, ove tratta come santo Bernardo mostrò a Dante ordinatamente li luoghi de’ beati del Vecchio e del Nuovo Testamento; e come a la voce de l’Arcangelo Gabriello laudavano nostra Madonna, cioè la Virgine Maria.

S. Bernardo esclarece a Dante a composição da rosa do Paraíso. De um lado estão os santos cristãos; do outro os hebreus, que acreditaram no Cristo que devia vir. Entre uns e outros a Virgem Maria. Embaixo de Maria, mulheres hebréias; mais embaixo as crianças mortas logo depois do batismo.

Affetto al suo piacer, quel contemplante

libero officio di dottore assunse,

e cominciò queste parole sante:

De contemplar no seu prazer sorvido,

De instruir-me, espontâneo, se incumbia,

E este santo discurso há proferido:

«La piaga che Maria richiuse e unse,

quella ch’è tanto bella da’ suoi piedi

è colei che l’aperse e che la punse.

— “A chaga, que sarou e ungiu Maria

Abrira a bela, que aos seus pés sentada

Divisas, do homem no primeiro dia.

Ne l’ordine che fanno i terzi sedi,

siede Rachel di sotto da costei

con Bëatrice, sì come tu vedi.

“Stá na tércia fileira entronizada

Logo abaixo Raquel; resplendente

Ao lado Beatriz vês colocada.

Sarra e Rebecca, Iudìt e colei

che fu bisava al cantor che per doglia

del fallo disse ’Miserere mei’,

“Sara, Rebeca, Judite e a prudente

Bisavó do cantor, que lamentara,

Miserere clamando, a culpa ingente:

puoi tu veder così di soglia in soglia

giù digradar, com’ io ch’a proprio nome

vo per la rosa giù di foglia in foglia.

“Num degrau cada uma se depara

Da rosa, folha a folha, descendendo

Como seu nome a minha voz declara.

E dal settimo grado in giù, sì come

infino ad esso, succedono Ebree,

dirimendo del fior tutte le chiome;

“Estão, do degrau sétimo descendo,

Como de lá subindo, em seguimento

Hebréias, dividida a Rosa sendo:

perché, secondo lo sguardo che fée

la fede in Cristo, queste sono il muro

a che si parton le sacre scalee.

“Formam elas, assim, repartimento,

Segundo em Cristo a fé predominara,

Da santa escada em todo o comprimento.

Da questa parte onde ’l fiore è maturo

di tutte le sue foglie, sono assisi

quei che credettero in Cristo venturo;

“Da parte, em que da flor se completara

Em cada folha o número, exalçado

Vês quem a Cristo no porvir sperara;

da l’altra parte onde sono intercisi

di vòti i semicirculi, si stanno

quei ch’a Cristo venuto ebber li visi.

“Da parte, onde o hemiciclo é sinalado

De alguns lugares vagos, se apresenta

Quem creu em Cristo ao mundo já chegado.

E come quinci il glorïoso scanno

de la donna del cielo e li altri scanni

di sotto lui cotanta cerna fanno,

“Como de um lado a divisão se ostenta,

Da Virgem pelo trono demarcada

E pelos mais, que a vista representa,

così di contra quel del gran Giovanni,

che sempre santo ’l diserto e ’l martiro

sofferse, e poi l’inferno da due anni;

“Assim do oposto a sede destinada

Ao que no ermo e martírio sempre há sido

Santo e em dois anos da infernal estada,

e sotto lui così cerner sortiro

Francesco, Benedetto e Augustino

e altri fin qua giù di giro in giro.

“Lugar que, tem por conta, há precedido

Aos de Francisco, de Agostinho, Bento

E outros, de um degrau cada um descido.

Or mira l’alto proveder divino:

ché l’uno e l’altro aspetto de la fede

igualmente empierà questo giardino.

“De Deus ora contempla o sábio intento:

Igualmente a fé nova e a antiga crença

Hão de encher o jardim do firmamento.

E sappi che dal grado in giù che fiede

a mezzo il tratto le due discrezioni,

per nullo proprio merito si siede,

“Abaixo do degrau da escada imensa,

Que as divisões reparte, está sentado

Ninguém, porque ao seu mérito pertença,

ma per l’altrui, con certe condizioni:

ché tutti questi son spiriti asciolti

prima ch’avesser vere elezïoni.

“Mas pelo alheio, e ao modo decretado.

Seus corpos tais espíritos deixaram

Antes que discernir lhes fosse dado.

Ben te ne puoi accorger per li volti

e anche per le voci püerili,

se tu li guardi bene e se li ascolti.

“Bem à luz da evidência to declaram

Pela voz infantil e pelo gesto:

Olha, escuta, e tuas dúvidas se aclaram.

Or dubbi tu e dubitando sili;

ma io discioglierò ’l forte legame

in che ti stringon li pensier sottili.

“Duvidas e o não fazes manifesto;

Sutil pensar em nó te prende estreito;

Mas deste enleio vou livrar-te presto.

Dentro a l’ampiezza di questo reame

casüal punto non puote aver sito,

se non come tristizia o sete o fame:

“Crer-se não pode em casual efeito

Do reino divinal no infindo espaço;

Nem há fome, nem sede ou triste aspeito.

ché per etterna legge è stabilito

quantunque vedi, sì che giustamente

ci si risponde da l’anello al dito;

“De eternas leis vincula tudo o laço,

E, como o anel no dedo, justamente

Da criação responde tudo ao traço.

e però questa festinata gente

a vera vita non è sine causa

intra sé qui più e meno eccellente.

“Portanto aquela prematura gente

Sine causa não sobe à vida eterna;

Mais ou menos, cada um entra excelente.

Lo rege per cui questo regno pausa

in tanto amore e in tanto diletto,

che nulla volontà è di più ausa,

“Deste reino o Monarca, que o governa

De amor em tanto extremo, em tal ventura,

Que desejo nenhum além se interna,

le menti tutte nel suo lieto aspetto

creando, a suo piacer di grazia dota

diversamente; e qui basti l’effetto.

“Criando, de sua face na doçura,

Os espíritos, dota-os a seu grado.

Isto basta saber: não mais apura.

E ciò espresso e chiaro vi si nota

ne la Scrittura santa in quei gemelli

che ne la madre ebber l’ira commota.

“Ao claro está nos gêmeos demonstrado,

Que haviam, — na Escritura se refere,

Já no materno ventre batalhado.

Però, secondo il color d’i capelli,

di cotal grazia l’altissimo lume

degnamente convien che s’incappelli.

“Assim a luz altíssima confere

A grinalda da Graça dignamente

Segundo a cor da coma, que prefere.

Dunque, sanza mercé di lor costume,

locati son per gradi differenti,

sol differendo nel primiero acume.

“Graduação, portanto, diferente

Lhes cabe sem ter méritos na vida:

Visão primeira os distinguiu somente.

Bastavasi ne’ secoli recenti

con l’innocenza, per aver salute,

solamente la fede d’i parenti;

“Nos primitivos tempos conseguida

Estava a salvação, quando a inocência

À fé dos pais se achava reunida.

poi che le prime etadi fuor compiute,

convenne ai maschi a l’innocenti penne

per circuncidere acquistar virtute;

“Às primeiras idades em seqüência,

Dos filhos trouxe às asas inocentes

Circuncisão, virtude e permanência.

ma poi che ’l tempo de la grazia venne,

sanza battesmo perfetto di Cristo

tale innocenza là giù si ritenne.

“Depois de anunciada a Graça às gentes.

Sem batismo perfeito haver de Cristo

Não valeu a inocência desses entes.

Riguarda omai ne la faccia che a Cristo

più si somiglia, ché la sua chiarezza

sola ti può disporre a veder Cristo».

“Ora atento na face, que à de Cristo

Mais se assemelha; a sua luz tão pura

Só te pode dispor a veres Cristo.” —

Io vidi sopra lei tanta allegrezza

piover, portata ne le menti sante

create a trasvolar per quella altezza,

Vi chover de alegria tal ternura,

Que a Maria os espíritos levavam

Para voar criados nessa altura,

che quantunque io avea visto davante,

di tanta ammirazion non mi sospese,

né mi mostrò di Dio tanto sembiante;

Que quanto os olhos antes contemplavam

Tais portentos patentes não fizera:

Os assomos de Deus se revelavam.

e quello amor che primo lì discese,

cantando ’Ave, Maria, gratïa plena’,

dinanzi a lei le sue ali distese.

Dos anjos o primeiro, que viera,

Cantando “Ave, Maria, gratia plena”,

Ante Maria as asas estendera.

Rispuose a la divina cantilena

da tutte parti la beata corte,

sì ch’ogne vista sen fé più serena.

Respondendo à divina cantilena

De toda parte a gloriosa corte,

Resplendeu cada face mais serena.

«O santo padre, che per me comporte

l’esser qua giù, lasciando il dolce loco

nel qual tu siedi per etterna sorte,

— “Ó santo Pai, que a caridade forte

Em prol meu fez deixar o doce assento,

A ti marcado por eterna sorte,

qual è quell’ angel che con tanto gioco

guarda ne li occhi la nostra regina,

innamorato sì che par di foco?».

Diz-me que anjo com tal contentamento

Da soberana a fronte olha divina,

No amor mostra do fogo o encendimento.” —

Così ricorsi ancora a la dottrina

di colui ch’abbelliva di Maria,

come del sole stella mattutina.

Desta arte inda vali-me da doutrina

Daquele, que enlevava-se em Maria,

Como no sol a estrela matutina.

Ed elli a me: «Baldezza e leggiadria

quant’ esser puote in angelo e in alma,

tutta è in lui; e sì volem che sia,

Tornou-me: — “Alacridade e bizarria,

Quanta em anjo haver possa e nalma humana,

Há nele; assim nos dá suma alegria:

perch’ elli è quelli che portò la palma

giuso a Maria, quando ’l Figliuol di Dio

carcar si volse de la nostra salma.

“Foi ele o que à bendita Soberana

Levou a palma, o filho de Deus quando

Quis assumir a nossa carga insana.

Ma vieni omai con li occhi sì com’ io

andrò parlando, e nota i gran patrici

di questo imperio giustissimo e pio.

“Minhas vozes tua vista acompanhando,

Do justíssimo império alça aos formosos

Patrícios, de alto nome, venerando.

Quei due che seggon là sù più felici

per esser propinquissimi ad Agusta,

son d’esta rosa quasi due radici:

“Os dois, que acima brilham, venturosos

Por starem perto da Sob'rana Augusta;

São desta Flor princípios gloriosos:

colui che da sinistra le s’aggiusta

è il padre per lo cui ardito gusto

l’umana specie tanto amaro gusta;

“À sestra sua aquele, que se ajusta,

O Pai é que, tentado por mau gosto

Tanta amargura à sua prole custa.

dal destro vedi quel padre vetusto

di Santa Chiesa a cui Cristo le chiavi

raccomandò di questo fior venusto.

À destra o Pai primeiro se acha posto

Da santa Igreja; as chaves lhe entregara

Da Rosa Cristo e o fez o seu preposto.

E quei che vide tutti i tempi gravi,

pria che morisse, de la bella sposa

che s’acquistò con la lancia e coi clavi,

“E o que antes de morrer vaticinara

Duros tempos daquela amada Esposa,

Que por lanças e cravos se alcançara,

siede lungh’ esso, e lungo l’altro posa

quel duca sotto cui visse di manna

la gente ingrata, mobile e retrosa.

“Fica-lhe a par; e, junto, a glória goza

O capitão da gente ingrata, insana,

Que viveu de maná, revel, teimosa.

Di contr’ a Pietro vedi sedere Anna,

tanto contenta di mirar sua figlia,

che non move occhio per cantare osanna;

“Em frente a Pedro vês que senta-se Ana,

Tão leda a excelsa Filha contemplando,

Que imóveis olhos tem, cantado hosana.

e contro al maggior padre di famiglia

siede Lucia, che mosse la tua donna

quando chinavi, a rovinar, le ciglia.

“Em frente ao Pai dos homens venerando,

É Luzia: a Beatriz há suplicado,

Quando ias para o abismo te inclinando

Ma perché ’l tempo fugge che t’assonna,

qui farem punto, come buon sartore

che com’ elli ha del panno fa la gonna;

“Mas da tua visão o assinalado

Tempo foge: paremos, pois, fazendo

Do pano, que há, vestido bem talhado.

e drizzeremo li occhi al primo amore,

sì che, guardando verso lui, penètri

quant’ è possibil per lo suo fulgore.

“E para o Amor Primeiro olhos erguendo,

Saibamos se do seu fulgor no seio

Penetras, quanto possas te absorvendo.

Veramente, ne forse tu t’arretri

movendo l’ali tue, credendo oltrarti,

orando grazia conven che s’impetri

“Mas, de que retrocedas no receio,

Movendo as asas, em vez de ir avante,

Impetra graça, de piedade cheio,

grazia da quella che puote aiutarti;

e tu mi seguirai con l’affezione,

sì che dal dicer mio lo cor non parti».

“Daquela, que em valer é tão pujante.

Em mente a voz me segue fervoroso,

Com vivo afeto e coração amante.” —

E cominciò questa santa orazione:

E esta santa oração disse piedoso:

Canto XXXIII

Canto XXXIII, il quale è l’ultimo de la terza cantica e ultima; nel quale canto santo Bernardo in figura de l’auttore fa una orazione a la Vergine Maria, pregandola che sé e la Divina Maestade si lasci vedere visibilemente.

S. Bernardo pede à Virgem Maria que conceda a Dante contemplar a Deus. O Poeta vê um tríplice círculo no qual está revelada a Trindade divina. No círculo médio vê figurada a efígie humana. No espírito de Dante se forma o desejo de conhecer o modo da união da natureza divina com a humana. Um repentino esplendor lhe revela o mistério da encarnação de Cristo; e aqui termina a sublime visão.

«Vergine Madre, figlia del tuo figlio,

umile e alta più che creatura,

termine fisso d'etterno consiglio,

“VIRGEM Mãe, por teu Filho procriada,

Humilde e sup’rior à criatura,

Por conselho eternal predestinada!

tu se’ colei che l’umana natura

nobilitasti sì, che ’l suo fattore

non disdegnò di farsi sua fattura.

“Por ti se enobreceu tanto a natura

Humana, que o Senhor não desdenhou-se

De se fazer de quem criou, feitura.

Nel ventre tuo si raccese l’amore,

per lo cui caldo ne l’etterna pace

così è germinato questo fiore.

“No seio teu o amor aviventou-se,

E ao seu ardor, na paz da eternidade,

O germe desta flor assim formou-se.

Qui se’ a noi meridïana face

di caritate, e giuso, intra ’ mortali,

se’ di speranza fontana vivace.

“Meridiana Luz da Caridade

És no céu! Viva fonte de esperança

Na terra és para a fraca humanidade!

Donna, se’ tanto grande e tanto vali,

che qual vuol grazia e a te non ricorre,

sua disïanza vuol volar sanz’ ali.

“Há tal grandeza em ti, há tal pujança,

Que quer sem asas voe o seu anelo

Quem graça aspira em ti sem confiança.

La tua benignità non pur soccorre

a chi domanda, ma molte fïate

liberamente al dimandar precorre.

“Ao mísero, que roga ao teu desvelo

Acode, e, às mais das vezes, por vontade

Livre, te praz sem súplica valê-lo.

In te misericordia, in te pietate,

in te magnificenza, in te s’aduna

quantunque in creatura è di bontate.

“Em ti misericórdia, em ti piedade,

Em ti magnificência, em ti se aduna

Na criatura o que haja de bondade.

Or questi, che da l’infima lacuna

de l’universo infin qui ha vedute

le vite spiritali ad una ad una,

“Esse mortal, que da ínfima lacuna

Do mundo até o empíreo, passo a passo,

Viu quanto a vida esp’ritual reuna,

supplica a te, per grazia, di virtute

tanto, che possa con li occhi levarsi

più alto verso l’ultima salute.

“Te exora auxílio ao seu esforço escasso:

A mente sublunar lhe seja dado

A Suma Dita no celeste espaço.

E io, che mai per mio veder non arsi

più ch’i’ fo per lo suo, tutti miei prieghi

ti porgo, e priego che non sieno scarsi,

“Eu que, no meu ardor, nunca aspirado

Hei mais por mim o que em prol dele peço

Meus rogos todos alço esperançado.

perché tu ogne nube li disleghi

di sua mortalità co’ prieghi tuoi,

sì che ’l sommo piacer li si dispieghi.

“Te digna conseguir que o véu espesso

Da humanidade sua despareça,

E assim lhe seja o Sumo Bem concesso.

Ancor ti priego, regina, che puoi

ciò che tu vuoli, che conservi sani,

dopo tanto veder, li affetti suoi.

“Depois da alta visão dá que ainda eu peça

Que conserves, Rainha Onipotente,

Sempre pura sua alma e ao mal avessa.

Vinca tua guardia i movimenti umani:

vedi Beatrice con quanti beati

per li miei prieghi ti chiudon le mani!».

“De perversas paixões guarda-o clemente:

Vê Beatriz e o céu inteiro unidos,

Juntando as mãos, ao voto meu fervente!” —

Li occhi da Dio diletti e venerati,

fissi ne l’orator, ne dimostraro

quanto i devoti prieghi le son grati;

Os olhos, que por Deus são tão queridos

No santo orador fitos demonstraram

Que eram seus ternos rogos atendidos.

indi a l’etterno lume s’addrizzaro,

nel qual non si dee creder che s’invii

per creatura l’occhio tanto chiaro.

Após ao Lume eterno se elevaram,

Em que, se deve crer, da criatura

Olhos, em modo tal, não profundavam.

E io ch’al fine di tutt’ i disii

appropinquava, sì com’ io dovea,

l’ardor del desiderio in me finii.

E dos desejos eu, que à mor altura

Suba, o ardor cessar, como devia,

Senti, me apropinquando da ventura.

Bernardo m’accennava, e sorridea,

perch’ io guardassi suso; ma io era

già per me stesso tal qual ei volea:

Bernardo, me acenando, me sorria,

Que para cima olhasse; mas eu estava

Já por mim mesmo tal qual me queria.

ché la mia vista, venendo sincera,

e più e più intrava per lo raggio

de l’alta luce che da sé è vera.

A vista, que em pureza sublimava,

Do alto, que é por si toda a Verdade,

Mais e mais pelos raios penetrava.

Da quinci innanzi il mio veder fu maggio

che ’l parlar mostra, ch’a tal vista cede,

e cede la memoria a tanto oltraggio.

E o que eu vi, desde então, na imensidade

Transcendeu quanto o verbo humano intente:

Cede a memória a tanta majestade.

Qual è colüi che sognando vede,

che dopo ’l sogno la passione impressa

rimane, e l’altro a la mente non riede,

Qual homem, que, a sonhar, vê claramente,

Depois só guarda a sensação impressa,

E o mais em todo lhe não volta à mente;

cotal son io, ché quasi tutta cessa

mia visïone, e ancor mi distilla

nel core il dolce che nacque da essa.

Tal eu; quase a visão inteira cessa.

Mas no meu coração quase destila

Doçura que em seu êxtase começa.

Così la neve al sol si disigilla;

così al vento ne le foglie levi

si perdea la sentenza di Sibilla.

Assim ao sol a neve se aniquila,

Assim na leve folha, entregue ao vento,

Se dispersava o orác’lo da Sibila.[1]

O somma luce che tanto ti levi

da’ concetti mortali, a la mia mente

ripresta un poco di quel che parevi,

Flama excelsa, que o humano pensamento

Excedes tanto, oh! presta ao meu, piedosa,

Um pouco de inefável luzimento.

e fa la lingua mia tanto possente,

ch’una favilla sol de la tua gloria

possa lasciare a la futura gente;

E a língua minha faz tão poderosa,

Que uma centelha só da tua Glória

Aos pósteros transmita venturosa;

ché, per tornare alquanto a mia memoria

e per sonare un poco in questi versi,

più si conceperà di tua vittoria.

Pois que, em parte surgindo-me à memória

E sendo por meus versos celebrada,

Melhor se entenderá tua vitória.

Io credo, per l’acume ch’io soffersi

del vivo raggio, ch’i’ sarei smarrito,

se li occhi miei da lui fossero aversi.

Da luz pela agudeza suportada,

Eu me perdera, creio, com certeza,

Se da luz fora a vista desviada.

E’ mi ricorda ch’io fui più ardito

per questo a sostener, tanto ch’i’ giunsi

l’aspetto mio col valore infinito.

E, recordo-me, pois mor afouteza

Tomei, tanto, que face a face olhando,

Encarar pude na Infinita Alteza.

Oh abbondante grazia ond’ io presunsi

ficcar lo viso per la luce etterna,

tanto che la veduta vi consunsi!

Tu ó Graça abundante, me animando,

Olhos fitar ousei na luz eterna,

A visão almejada consumando.

Nel suo profondo vidi che s’interna,

legato con amore in un volume,

ciò che per l’universo si squaderna:

E lá na profundeza vi que se interna

Unido pelo amor num só volume

O que pelo universo se esquaderna:

sustanze e accidenti e lor costume

quasi conflati insieme, per tal modo

che ciò ch’i’ dico è un semplice lume.

Acidente, substância e o seu costume,

Conjuntos entre si por tal maneira,

Que da verdade exprimo um frouxo lume.

La forma universal di questo nodo

credo ch’i’ vidi, perché più di largo,

dicendo questo, mi sento ch’i’ godo.

Creio que a forma universal inteira

Vi desse nó; porquanto mais ao largo

Sinto, ao dizer, ledice verdadeira.

Un punto solo m’è maggior letargo

che venticinque secoli a la ’mpresa

che fé Nettuno ammirar l’ombra d’Argo.

Um só instante à mente dá letargo[2]

Maior, que séc’los vinte e cinco à empresa

Que admirar fez Netuno a sombra de Argo.

Così la mente mia, tutta sospesa,

mirava fissa, immobile e attenta,

e sempre di mirar faceasi accesa.

De êxtase assim minha alma toda presa,

Atenta, absorta, imóvel se imergia,

E sempre em contemplar mais stava acesa.

A quella luce cotal si diventa,

che volgersi da lei per altro aspetto

è impossibil che mai si consenta;

E essa Luz tal efeito produzia,

Que em deixá-la por ver dif’rente aspeto

Consentir impossível me seria:

però che ’l ben, ch’è del volere obietto,

tutto s’accoglie in lei, e fuor di quella

è defettivo ciò ch’è lì perfetto.

Que o Bem da sua aspiração objeto,

Todo está nela; é tudo lá perfeito,

Como fora de lá tudo é defeto.

Omai sarà più corta mia favella,

pur a quel ch’io ricordo, che d’un fante

che bagni ancor la lingua a la mammella.

Meu dizer de ora avante mais estreito

Será no que recordo que o do infante

Ainda ao seio maternal afeito;

Non perché più ch’un semplice sembiante

fosse nel vivo lume ch’io mirava,

che tal è sempre qual s’era davante;

Não porque presentasse outro semblante

A viva Luz, que a contemplar eu stava,

Antes, como depois, sempre constante;

ma per la vista che s’avvalorava

in me guardando, una sola parvenza,

mutandom’ io, a me si travagliava.

Mas, como, olhando, a vista se alentava,

A Imutável Essência parecia

Mudar, quando só eu me transformava.

Ne la profonda e chiara sussistenza

de l’alto lume parvermi tre giri

di tre colori e d’una contenenza;

Na substância profunda e clara eu via

Da excelsa Luz três círc’los dicernidos

Por cores três, de igual periferia,

e l’un da l’altro come iri da iri

parea reflesso, e ’l terzo parea foco

che quinci e quindi igualmente si spiri.

Íris de íris, um de outro refletidos[3]

Estavam, flama o têrcio parecia

Spirando, por igual, de um, de outro unidos,

Oh quanto è corto il dire e come fioco

al mio concetto! e questo, a quel ch’i’ vidi,

è tanto, che non basta a dicer ’poco’.

Quanto é curta expressão! Quanto a excedia

Meu pensar, ao que eu vi, este já sendo

Tal, que pouco bastante não diria.

O luce etterna che sola in te sidi,

sola t’intendi, e da te intelletta

e intendente te ami e arridi!

Lume eterno, que a sede em ti só tendo,

Só te entendes, de ti sendo entendido,

E te amas e sorris só te entendendo!

Quella circulazion che sì concetta

pareva in te come lume reflesso,

da li occhi miei alquanto circunspetta,

O girar, que, dessa arte concebido[4]

Via em ti como flama refletida,

Quanto foi dos meus olhos abrangido,

dentro da sé, del suo colore stesso,

mi parve pinta de la nostra effige:

per che ’l mio viso in lei tutto era messo.

No seio seu da própria cor tingida

A própria efígie humana oferecia:

Foi nela a vista minha submergida!

Qual è ’l geomètra che tutto s’affige

per misurar lo cerchio, e non ritrova,

pensando, quel principio ond’ elli indige,

Geômetra, que o espírito crucia

Para o cir’lo medir, em vão procura[5]

Princípio, que ao seu fim mais conviria:

tal era io a quella vista nova:

veder voleva come si convenne

l’imago al cerchio e come vi s’indova;

Assim eu ante a nova visão pura

Ver anelara como a image’ humana

Ao círculo se adapta e ali perdura.

ma non eran da ciò le proprie penne:

se non che la mia mente fu percossa

da un fulgore in che sua voglia venne.

Às asas minhas fora empresa insana,

Se clareado a mente não me houvesse

Fulgor, que a posse da verdade aplana.

A l’alta fantasia qui mancò possa;

ma già volgeva il mio disio e ’l velle,

sì come rota ch’igualmente è mossa,

À fantasia aqui valor fenece;

Mas a vontade minha a idéias belas,[6]

Qual roda, que ao motor pronta obedece,

l’amor che move il sole e l’altre stelle.

Volvia o Amor, que move sol e estrelas.




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Notas

Inferno / Inferno

Canto I

1. Em meio etc. Aos 35 anos. Dante tinha 35 anos no dia 25 de março de 1300, ano no qual o papa Bonifácio VIII proclamou o primeiro Jubileu. [N. T.]

2. Tenebrosa etc., simbólica selva dos vícios humanos. [N. T.]

3. Pantera, símbolo da luxúria e da fraude; politicamente, de Florença. [N. T.]

4. Um leão, símbolo da soberba e da violência; politicamente, da França. [N.