A ilha do tesouro

rosto

Para

S. L. O.,

Um cavalheiro americano,

De acordo com cujo gosto clássico

A seguinte narrativa foi projetada,

E ao qual ela é agora, em retorno por numerosas horas agradáveis,

E com os melhores votos,

Dedicada por seu amigo afeiçoado,

O autor.

Para o comprador hesitante:


Se os contos e canções dos marinheiros,

Tempestades e aventuras, calor e frio,

Escunas, ilhas e homens nelas abandonados

E Bucaneiros e Ouro enterrado,

E todos os velhos romances, recontados,

Exatamente da maneira antiga,

Podem agradar, como a mim agradavam antigamente,

Aos jovens mais espertos de hoje:

– Seja assim, então: venham! Se não quiserem,

Se a juventude estudiosa não mais anseia,

Se esqueceu de seus antigos apetites,

Por Kingston, ou Ballantyne, o Bravo,

Ou por Cooper, das florestas e das ondas,

Então seja assim também! E possamos eu

E todos os meus piratas partilhar da tumba

Em que jazem estes e todas as suas criações!

PARTE I
O VELHO BUCANEIRO

Capítulo 1

O velho lobo do mar no “Almirante Benbow”

O Proprietário Rural, Conde Trelawney, o Dr. Livesey e o resto dos cavalheiros me pediram para escrever o relato completo da história da Ilha do Tesouro, do seu início até o seu final, não deixando nada de fora, exceto a localização da ilha; e isto somente porque ainda lá se encontra parte do tesouro que não foi transportada; assim, eu tomo da pena no Ano da Graça de 17– e retorno ao tempo em que meu pai era o proprietário da estalagem “Almirante Benbow”, quando o velho marinheiro queimado de sol, com a cicatriz de sabre no rosto, alojou-se pela primeira vez sob nosso teto.

Eu me recordo dele como se fosse ontem, como ele veio caminhando pesadamente até a porta da hospedaria, com seu baú de marinheiro transportado em um carrinho de mão: um homem alto, forte, corpulento, bronzeado como uma casca de noz; o rabo de cavalo alcatroado caindo sobre os ombros de seu casaco azul enxovalhado; suas mãos nodosas e cheias de cicatrizes ostentando unhas negras e quebradas; e o corte de sabre ao longo de uma das faces, de uma coloração branca, suja e lívida. Eu me lembro de vê-lo olhando ao redor da enseada, assobiando para si mesmo, e então começando a cantar aquela velha canção de marinheiros, que ele depois iria repetir tantas vezes:

Quinze homens sobre a mala do defunto –

Io-ho-hô! – e uma garrafa de rum!

com sua voz aguda, velha e trêmula, que parecia ter sido afinada e quebrada nas barras do cabrestante. Então, ele bateu à porta com um bastão retorcido, que sempre carregava, o qual se assemelhava também a uma bimbarra de cabrestante; e, quando meu pai atendeu, pediu grosseiramente um copo de rum. Quando este lhe foi trazido, ele o bebeu lentamente, como um conhecedor, saboreando o gosto devagar, ainda olhando ao redor, em direção aos recifes, e para cima, a fim de observar nossa tabuleta.

– Esta é uma enseada bem acessível – disse ele, finalmente –, e uma taverna agradavelmente bem-situada. A freguesia é grande, patrão?

Meu pai disse-lhe que não, que a freguesia era muito pouca, o que, aliás, era uma pena.

– Bem, então – disse ele –, este é o lugar para o meu beliche. Ei, você, companheiro! – gritou ele para o homem que empurrava o carrinho de mão. – Empurre essa coisa até aqui e me ajude a carregar o meu baú. Vou parar aqui uns tempos – ele prosseguiu. – Eu sou um homem simples: rum, toucinho e ovos é só o que eu quero; e aquele quarto lá em cima, para poder olhar os navios ao longe. Como é que você vai me chamar? Pode me chamar de Capitão. Ah, já sei o que está pensando: pronto! – e ele lançou três ou quatro peças de ouro na soleira da porta. – Basta você me avisar quando eu tiver gasto isso tudo – disse ele, parecendo tão feroz quanto um comandante.

E, sem dúvida, mesmo que suas roupas fossem de má qualidade e que falasse de maneira tão grosseira, ele não tinha a aparência de um marinheiro comum; mais parecia com um imediato ou um piloto, acostumado a ser obedecido ou a bater. O homem que veio com o carrinho de mão contou-nos que a carruagem do correio o tinha deixado pela manhã diante da estalagem “Royal George”; que ele tinha feito indagações sobre que hospedarias havia ao longo da costa; e, ao ouvir boas informações a respeito da nossa, eu suponho, tendo sido descrita como solitária, a havia escolhido dentre todas as outras como seu lugar de residência. E isso foi tudo o que pudemos saber sobre o nosso hóspede.

Ele costumava ser um homem muito silencioso. O dia inteiro, caminhava ao redor da enseada ou sobre os rochedos, com um telescópio de bronze; todas as noites, ele se assentava em um canto do salão, perto do fogo, e bebia uma mistura muito forte de rum com água. A maior parte das vezes, ele não falava quando o interrogavam; somente lançava um olhar súbito e feroz e assoprava pelo nariz como uma sirena de nevoeiro; deste modo, nós, e também as pessoas que frequentavam nossa casa, logo aprendemos a deixá-lo em paz. Todos os dias, quando retornava de seu passeio, ele indagava se algum marinheiro havia passado pela estrada. A princípio, nós imaginávamos que era a falta da companhia de gente de sua própria profissão que o fazia perguntar; mas, finalmente, começamos a perceber que ele realmente queria era evitá-los. Quando um marinheiro aparecia no “Almirante Benbow” (o que acontecia de vez em quando, se eles se dirigissem a Bristol pelo caminho da estrada costeira), ele olhava para o salão, através da cortina da porta, antes de se decidir a entrar; e era certo que permanecia quieto como um camundongo quando algum deles estava presente. Para mim, pelo menos, não havia segredo quanto a esse assunto, porque, de certa forma, eu partilhava de sua inquietação. Um dia, ele me levara para um canto e me prometera uma moeda de quatro pence de prata no dia primeiro de cada mês, se eu mantivesse “meus olhos abertos e vigilantes para um homem do mar com uma perna só” e lhe contasse no momento em que este aparecesse. Com bastante frequência, quando o dia primeiro de cada mês se aproximava e eu lhe reclamava meu salário, ele fungava forte pelo nariz e me olhava com uma expressão tão terrível, que me fazia baixar os olhos, porém, antes que a semana findasse, ele pensava duas vezes, trazia-me a moedinha de prata e repetia suas ordens para ficar cuidando “o homem do mar com uma perna só”.

Está claro que eu não preciso descrever como esta personagem assombrava meus sonhos. Nas noites de tempestade, quando o vento sacudia os quatro cantos da casa e a rebentação rugia ao longo da enseada e subia pelos rochedos, eu a imaginava de mil formas e com mil expressões diabólicas. Algumas vezes, a perna aparecia cortada no joelho, outras, à altura da coxa; outras ainda, ela era um tipo de criatura monstruosa, que nunca tivera mais do que uma perna, e esta surgia do meio do corpo. Vê-la pular e correr e perseguir-me pelas sebes e valas era o pior dos pesadelos. E, considerando tudo isso, eu pagava bastante caro por minha moedinha mensal de quatro pence, em troca da qual imaginava estas fantasias abomináveis.

Mas, embora eu estivesse tão apavorado pela ideia do homem do mar com uma perna só, eu tinha muito menos medo do próprio Capitão do que qualquer outra pessoa que o conhecesse. Havia noites em que ele tomava muito mais rum do que sua cabeça podia aguentar; e então ele se punha a cantar suas canções marinhas, pecaminosas, antigas e selvagens, sem se importar com ninguém; mas, outras vezes, ele mandava servir uma rodada de bebida para todos e obrigava a plateia trêmula a escutar suas histórias ou a fazer coro às suas cantorias. Frequentemente, eu escutei a casa estremecendo com Io-ho-hô! – e uma garrafa de rum! – ocasião em que todos os vizinhos cantavam a plenos pulmões, com o medo da morte em seus corações, cada um procurando cantar mais alto que o outro, para evitar repreensões.