Ele fica sentado com um cutelo desembainhado em cima da mesa! Outro cavalheiro...

– Vamos, agora ande – interrompeu ele; e eu nunca escutei uma voz tão cruel, tão fria e tão feia como a voz do cego. A voz acovardou-me mais do que a dor; e eu comecei a obedecê-lo imediatamente, entrando direto pela porta, em direção ao salão em que nosso velho bucaneiro doente estava sentado, completamente tonto pelo rum. O cego se manteve bem perto de mim, agarrando-me com um punho de ferro, e apoiando sobre mim quase todo o seu peso, uma carga maior do que eu podia carregar.

– Leve-me direto até onde ele está, e quando eu estiver em frente a ele, fale bem alto: “Aqui está um amigo seu, Bill”. Se você não falar, eu farei isto. – E enquanto falava, ele me torceu o braço de novo com tanta força, que eu pensei desmaiar. Com toda essa violência, eu me achava tão atemorizado pelo mendigo cego, que esqueci de meu terror do Capitão; e quando abri a porta do salão, gritei, com uma voz trêmula, as palavras que ele tinha mandado eu dizer.

O pobre do Capitão ergueu os olhos e com um único olhar o rum saiu para fora de seu cérebro e ele ficou sóbrio com olhos arregalados. A expressão de seu rosto não era tanto de terror como de uma doença mortal. Ele fez um movimento para erguer-se, mas eu não acredito que ele tivesse força suficiente nos músculos de seu corpo.

– Agora, Bill, fique sentado aí mesmo onde você está – disse o mendigo. – Eu não posso ver, mas posso escutar um dedo se movendo. Negócios são negócios. Estenda a sua mão esquerda. Menino, segure a mão esquerda dele pelo pulso e a traga para perto da minha direita.

Ambos o obedecemos com exatidão e eu vi quando ele passou alguma coisa do côncavo de sua mão, a mesma que segurava a bengala, para a palma da mão do Capitão, que imediatamente se fechou sobre ela.

– E agora está feito – disse o cego; e com estas palavras, soltou-me de repente e, com incrível acurácia e agilidade, saltou para fora do salão e chegou à estrada, de onde, embora eu ainda estivesse imóvel, pude escutar o barulho de sua bengala contra o chão, desaparecendo na distância.

Passou-se algum tempo, antes que eu ou o Capitão pudéssemos recobrar os nossos sentidos; porém, finalmente e quase ao mesmo tempo, eu soltei seu pulso, que ainda continuava segurando até esse momento; e ele puxou a mão para perto do rosto, olhando avidamente para a palma.

– Dez horas! – gritou ele. – Temos seis horas. Nós ainda vamos lográ-los! – e levantou-se de repente.

Mas no mesmo instante em que se ergueu, ele cambaleou, levou uma das mãos à garganta, ficou balançando por um momento e, então, fazendo um ruído abafado, caiu ao comprido no assoalho, com o rosto para baixo.

Eu corri para seu lado imediatamente, chamando por minha mãe. Mas a pressa não serviu de nada. O Capitão tinha morrido de uma apoplexia fulminante. É uma coisa curiosa de se entender, porque eu certamente nunca havia gostado do homem, embora, nos últimos dias, tivesse começado a sentir pena dele; mas, assim que eu vi que ele estava morto, comecei a chorar copiosamente. Era a segunda morte a que tinha assistido e a tristeza da primeira ainda era nova em meu coração.

Capítulo 4

O baú do marinheiro

Eu não perdi tempo, naturalmente, e contei à minha mãe tudo o que sabia; e talvez eu devesse ter lhe contado muito tempo antes; e nos vimos agora, de repente, em uma posição muito difícil e perigosa. Uma parte do dinheiro do homem – se é que ele tinha algum – certamente nos era devida; mas não era provável que os companheiros de bordo de nosso Capitão, acima de tudo os dois espécimes que eu tinha visto, Cão Negro e o mendigo cego, estivessem dispostos a desistir de seu botim em pagamento das dívidas do defunto. Se eu seguisse as ordens do Capitão e montasse a cavalo imediatamente para avisar o Dr. Livesey, deixaria minha mãe sozinha na estalagem, sem a menor proteção, uma coisa em que eu não poderia sequer pensar. Sem dúvida, parecia impossível para qualquer um de nós permanecer muito mais tempo na casa: a queda dos carvões no fogão da cozinha, o próprio tique-taque do relógio, nos enchiam de susto. A vizinhança, para nossos ouvidos, parecia assombrada por passos que se aproximavam; e com o corpo morto do Capitão no assoalho do salão e o pensamento naquele detestável mendigo cego rondando por perto, pronto para retornar, houve momentos em que, como diz o ditado, eu pulei para fora da pele, de tanto terror. Alguma coisa tinha de ser resolvida logo; e finalmente decidimos sair juntos a fim de buscar auxílio na aldeia vizinha. Assim que tomamos essa decisão, não perdemos mais tempo. De cabeças descobertas, tal como estávamos, corremos para fora, em direção à noite que se aproximava e para dentro do nevoeiro enregelante.

A aldeia não se achava a muitas centenas de metros de distância, embora ficasse além da vista, do outro lado da próxima enseada. O que grandemente me encorajou, foi que ficava na direção oposta àquela de onde o homem cego tinha aparecido e para a qual presumivelmente havia retornado. Nós não permanecemos muitos minutos na estrada, embora, às vezes, parássemos e ficássemos abraçados, de ouvidos atentos. Mas não havia nenhum som fora do comum – nada, exceto o murmúrio das ondas e o crocitar dos corvos no bosque.

Já era hora de se acender as velas quando chegamos na aldeia; e nunca esquecerei o quanto me alegrou ver-lhes o brilho amarelado, através das portas e janelas; mas essa, como ficou demonstrado, foi a única ajuda que conseguimos ali. Isto porque – e na verdade era de se pensar que homens adultos tivessem mais vergonha de sua falta de coragem – nem uma só pessoa consentiu em retornar conosco para o “Almirante Benbow”.