Gregor ouvia como as duas mulheres fracas arrastavam o velho armário pesado de seu lugar, e como a irmã assumia a maior parte do trabalho, sem dar ouvidos às observações da mãe, receosa de que a filha estivesse se esforçando demais. Isso durou muito tempo. Depois de certamente um quarto de hora de trabalho, a mãe disse que era melhor deixar o armário lá mesmo, pois primeiro ele era pesado demais, elas não terminariam antes da chegada do pai, e o armário no meio do quarto dificultaria qualquer caminho de Gregor; em segundo lugar, não era certo de que fariam um favor a Gregor ao afastar os móveis. Tinha a impressão contrária; a visão da parede nua apertava-lhe o coração; e por que Gregor não sentiria o mesmo, já que ele estava, havia muito, habituado à mobília do quarto e, desse modo, iria se sentir perdido no quarto vazio?

– E não é verdade – disse a mãe bem baixinho, quase sussurrando, como se quisesse evitar que Gregor, cuja localização exata ela desconhecia, não ouvisse nem o tom de sua voz, pois estava convencida de que ele não entendia as palavras –, e não é verdade que, afastando os móveis, estaríamos lhe mostrando que já não temos qualquer esperança em sua cura e que o abandonamos à sua própria sorte? Acho que o melhor seria manter o quarto exatamente como sempre esteve no passado, para que Gregor, quando voltar junto a nós, reencontre tudo da mesma maneira, conseguindo esquecer com mais facilidade o que aconteceu nesse meio tempo.

Ao ouvir essas palavras da mãe, Gregor percebeu que a falta de um diálogo humano direto, aliado à monotonia da vida em família, devia ter perturbado seu entendimento das coisas, pois não havia outra explicação para poder ter pedido a sério que seu quarto fosse esvaziado. Será que ele realmente tinha vontade que o quarto acolhedor, tão confortavelmente equipado com móveis herdados, fosse transformado numa caverna, na qual decerto poderia rastejar livremente em todas as direções, mas também às custas do simultâneo esquecimento total de seu passado humano? Ele já se sentia próximo disso, e apenas a voz da mãe, que há muito não ouvia, o acordou. Nada deveria ser retirado; tudo deveria ficar; ele não podia prescindir das boas influências dos móveis sobre seu estado de espírito; e se os móveis o impedissem de ficar rastejando ao léu, isso não era um prejuízo, mas uma grande vantagem.

image17.webp

A irmã, infelizmente, era de outra opinião; tinha se habituado, e não sem motivo, a fazer o papel de especialista nas conversas sobre assuntos relacionados a Gregor com os pais, e assim o conselho da mãe já era suficiente para afastar não só o armário e a escrivaninha, como havia pensado primeiro, mas todos os móveis, exceto o indispensável sofá. Essa decisão certamente não era consequência da simples teimosia infantil e da autoconfiança adquirida tão inesperadamente e com tanta dificuldade nos últimos tempos; até o ponto que lhe era possível observar, ela tinha percebido que Gregor precisava de muito espaço para rastejar e não precisava dos móveis para nada. Talvez estivesse influenciada também pelo temperamento entusiasmado das garotas, que procuram sua satisfação em todas ocasiões, e que levava Grete agora a querer tornar a situação do irmão ainda mais assustadora, a fim de auxiliá-lo ainda mais. Pois num quarto onde Gregor reinasse sozinho entre as paredes vazias, provavelmente ninguém, além de Grete, ousaria entrar.

E, desse modo, não se deixou dissuadir pela mãe, que também parecia insegura nesse quarto cheio de agitação, e que logo emudeceu e ajudou a filha, à medida de suas forças, a tirar o armário do quarto. Ora, se fosse preciso, Gregor podia passar sem o armário, mas a escrivaninha tinha de ficar. E mal as mulheres tinham saído do quarto com o armário, gemendo ao empurrá-lo, Gregor pôs a cabeça para fora, debaixo do sofá, para ver como poderia intervir, usando de cuidado e da maneira mais respeitosa. Mas infelizmente foi a mãe quem voltou primeiro, enquanto Grete permanecia no quarto ao lado abraçada ao armário, balançando-o sozinha para cá e para lá, evidentemente sem tirá-lo do lugar. A mãe, porém, não estava acostumada à visão de Gregor, ele poderia tê-la feito ficar doente, e por isso Gregor, assustado, andou apressado de costas até a outra extremidade do sofá, mas não pôde mais evitar que o lençol se mexesse um pouco na frente. Isso foi o suficiente para alertar a mãe. Ela parou, ficou imóvel por um instante e depois voltou para Grete.

Embora Gregor falasse constantemente para si mesmo que não estava acontecendo nada de extraordinário – apenas alguns móveis estavam sendo mudados de lugar –, logo teve de reconhecer que esse vaivém de mulheres, seus gritinhos, os móveis arranhando o chão, produziam nele o efeito de um imenso tumulto que se aproximava de todos os lados, e, puxando a cabeça e as pernas firmemente contra o corpo, soube que não aguentaria isso tudo por muito tempo. Elas estavam esvaziando o seu quarto; estava sendo privado de tudo do que gostava; seu armário, onde guardava a serra tico-tico e outras ferramentas, já tinha sido levado para fora; tentavam remover agora a escrivaninha, quase enraizada no chão, na qual tinha feito todos seus trabalhos como estudante da escola de comércio, do liceu, sim, até do primário – e aí realmente não tinha mais tempo para testar as boas intenções dessas duas mulheres, cuja existência, aliás, ele quase tinha esquecido, pois trabalhavam em silêncio por causa da exaustão e só se escutavam seus passos pesados.

Então, ele saiu de onde estava – as mulheres, nesse momento, apoiavam-se na escrivaninha no quarto ao lado, a fim de descansar um pouco –, trocou quatro vezes de direção, pois realmente não sabia o que queria salvar primeiro, quando viu, chamativamente na parede já nua, o quadro da mulher vestida de peles; subiu rastejando às pressas e colou-se ao vidro onde se apoiava e que fazia bem à sua barriga quente. Pelo menos esse quadro, que Gregor ocultava totalmente, agora com certeza ninguém iria retirar. Ele virou a cabeça na direção da porta da sala, a fim de observar as mulheres voltando.

image18.webp

Elas não se permitiram muito descanso e já retornavam; Grete tinha posto o braço ao redor da mãe e quase a carregava.

– Bem, o que vamos tirar agora? – disse Grete, olhando em volta.

Nessa hora, seu olhar cruzou com o de Gregor na parede. Manteve a compostura provavelmente apenas pela presença da mãe, inclinou seu rosto na direção dela, a fim de impedir que levantasse os olhos, e perguntou com a voz trêmula e de supetão:

– Venha, não é melhor voltarmos por um instante até a sala?

A intenção de Grete era clara para Gregor: ela queria pôr a mãe em segurança e, depois, enxotá-lo da parede. Bem, que tentasse! Ele estava agarrado ao seu quadro e não o soltaria. Preferiria pular no rosto de Grete.

Mas as palavras de Grete acabaram por deixar a mãe nervosa de vez. Esta deu um passo para o lado, encarou a gigantesca mancha marrom no papel de parede florido, e, antes de ficar completamente consciente de que se tratava de Gregor, gritou com a voz estridente e rouca:

– Oh, Deus, oh, Deus! – e deixou-se cair de braços abertos sobre o sofá, como se estivesse desistindo de tudo, e ficou imóvel.

– Ei, Gregor! – disse a irmã, com o punho cerrado erguido e olhar penetrante. Eram as primeiras palavras que ela lhe dirigia diretamente desde a metamorfose. Ela correu até o quarto do lado a fim de buscar alguns sais para reanimar a mãe; Gregor também queria ajudar – ainda havia tempo para salvar o quadro –, mas ele estava firmemente colado no vidro e precisou se soltar com força; então ele também correu ao quarto lateral, como se pudesse dar algum conselho à irmã, como antes; mas precisou ficar parado atrás dela; enquanto remexia entre diversos frascos, ela se assustou ao se virar; um frasco caiu no chão e quebrou; um caco machucou o rosto de Gregor, algum remédio corrosivo escorreu sobre ele; então, sem perder tempo, Grete agarrou todos os frascos que conseguiu e correu com eles até a mãe; fechou a porta com o pé. Gregor via-se assim separado da mãe, que talvez estivesse à beira da morte, por sua culpa; ele não podia abrir a porta, pois não queria assustar Grete, que tinha de ficar junto à mãe; então, não lhe restava outra coisa senão esperar; assolado por remorsos e preocupação, começou a rastejar, passando por tudo, paredes, móveis e teto, e acossado pelo desespero, quando o quarto inteiro parecia rodar, caiu no meio da grande mesa.

image19.webp

Passou algum tempo, Gregor estava deitado lá, combalido, cercado pelo silêncio, talvez isso fosse um bom sinal. Então a campainha soou. A empregada estava evidentemente trancada em sua cozinha e, assim, Grete teve de abrir a porta. O pai tinha chegado.

– O que aconteceu? – foram suas primeiras palavras; a aparência de Grete devia ter revelado tudo. Ela respondeu com a voz abafada, aparentemente tinha colocado seu rosto no peito do pai:

– A mãe desmaiou, mas já está melhor. Gregor escapou.

– Eu já estava prevendo – disse o pai –, eu sempre lhes avisei, mas vocês mulheres não querem escutar.

Era evidente para Gregor que o pai tinha interpretado mal a explicação demasiado curta de Grete e imaginava que ele fosse culpado de algum tipo de ação violenta.