Longe de testemunhar aquela satisfação instintiva que mesmo a mulher mais severa sente ao ficar sabendo que faz alguém infeliz, o olhar de Júlia ficou amortecido e frio. Seu rosto indicava um sentimento de repulsa próximo do horror. Essa proscrição não era a que uma mulher apaixonada lança ao mundo inteiro em favor de uma única criatura; ela sabe então rir e gracejar; não, Júlia parecia nesse momento uma pessoa a quem a lembrança de um perigo muito presente ainda faz sofrer. A tia, convencida de que a sobrinha não amava o marido, ficou estupefata ao descobrir que ela não amava ninguém. Estremeceu ao reconhecer em Júlia um coração desencantado, uma jovem a quem a experiência de um dia, de uma noite talvez, fora suficiente para avaliar a nulidade de Vítor.
– Se ela o conhece, tudo está acabado, pensou. Meu sobrinho em breve sentirá os inconvenientes do casamento.
Propôs-se então converter Júlia às doutrinas monárquicas do século de Luís XV; mas, algumas horas mais tarde, ficou sabendo, ou melhor, adivinhou a situação bastante comum na sociedade à qual a condessa devia sua melancolia. Júlia, que voltara de repente a ficar pensativa, retirou-se para seu quarto mais cedo que de costume. Quando a criada ajudou-a a despir-se e preparou seu leito, ficou diante da lareira, recostada num sofá de veludo amarelo, móvel antigo, tão favorável aos aflitos quanto às pessoas felizes; chorou, suspirou, pensou; depois arrumou uma mesinha, procurou papel e pôs-se a escrever. As horas passaram rapidamente. A confidência que Júlia fazia nessa carta parecia custar-lhe muito, cada frase suscitava longos devaneios; de repente desatou a chorar e parou de escrever. Nesse momento os relógios deram duas horas. Sua cabeça, tão pesada como a de um moribundo, inclinou-se sobre o peito; quando tornou a erguê-la, a tia estava à sua frente, como uma personagem que tivesse saído da tapeçaria na parede.
– Que há com você, minha querida?, disse-lhe a tia. Por que ficar acordada até esta hora, e sobretudo por que chorar sozinha, na sua idade?
Sentou-se sem nenhuma cerimônia junto à sobrinha e devorou com os olhos a carta começada.
– Está escrevendo a seu marido?
– Acaso sei onde ele está?, respondeu a condessa.
A tia pegou o papel e leu. Trouxera os óculos, sinal de que havia premeditação. A inocente criatura deixou que ela tomasse a carta sem fazer a menor observação. Não era uma falta de dignidade nem um sentimento de culpa secreta que lhe tirava desse modo toda energia; não, sua tia a surpreendera num daqueles momentos de crise em que a alma está sem saída, em que tudo é indiferente, tanto o bem quanto o mal, tanto o silêncio quanto a confiança. Como uma jovem virtuosa que acabrunha um amante com desprezo, mas que à noite se sente tão triste e abandonada que deseja e quer um coração onde depositar seus sofrimentos, Júlia deixou violar sem uma palavra o selo que a delicadeza imprime a uma carta aberta, e permaneceu pensativa enquanto a outra lia.
“Minha cara Luísa, por que reclamar tantas vezes o cumprimento da mais imprudente promessa que duas jovens ignorantes podem se fazer? Escreves-me perguntando com frequência por que não respondo há seis meses a tuas interrogações. Se compreendeste meu silêncio, hoje adivinharás talvez seu motivo ao ficar sabendo os segredos que vou revelar. Eu os teria sepultado para sempre no fundo do coração se não me comunicasses teu próximo casamento. Vais casar, Luísa. Esse pensamento me faz tremer. Pobre criança, casa-te; dentro de poucos meses, um de teus mais pungentes lamentos virá da lembrança do que vivemos outrora, quando, num crepúsculo em Écouen, sob os grandes carvalhos da montanha, contemplamos o belo vale que tínhamos aos pés e admiramos os raios do sol poente cujos reflexos nos envolviam. Sentamos numa pedra e caímos num êxtase que foi sucedido pela mais doce melancolia. Foste a primeira a dizer que o sol longínquo nos falava do futuro. Éramos então bem curiosas e bem loucas! Lembras-te de todas as nossas extravagâncias? Abraçamo-nos como dois amantes, dizíamos. Juramo-nos que a primeira a casar contaria fielmente à outra os segredos do himeneu, aquelas alegrias que nossas almas infantis imaginavam tão deliciosas. Essa noite fará teu desespero, Luísa. Naquele tempo eras jovem, bela, despreocupada e até mesmo feliz; em poucos dias um marido te transformará naquilo que já sou, feia, sofredora e velha. Dizer-te o quanto me orgulhava, envaidecia e alegrava desposar o coronel Vítor d’Aiglemont seria uma insensatez! E como poderia mesmo dizer isso? Não me lembro mais de mim. Em poucos instantes minha infância tornou-se como um sonho.
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