d’Aiglemont teve a ambição de chegar ao pariato, adotou as máximas e a política do jornal Le Conservateur, envolveu-se numa dissimulação que nada ocultava, tornou-se grave, interrogador, de poucas palavras, e foi considerado um homem profundo. Sempre entrincheirado nas normas da polidez, munido de fórmulas, retendo e prodigalizando as frases feitas que se dizem regularmente em Paris para trocar em miúdos aos tolos o sentido das grandes ideias ou dos fatos, os círculos sociais o reputaram homem de gosto e de saber. Aferrado em suas opiniões aristocráticas, foi citado como tendo um belo caráter. Se eventualmente tornava-se descuidado ou alegre como era outrora, a insignificância e a tolice de suas palavras tinham para os outros subentendidos diplomáticos. “Oh! ele só diz o que quer dizer”, pensavam muitos homens de bem. Era servido tanto por suas qualidades como por seus defeitos. Sua bravura lhe valia uma alta reputação militar que nada desmentia, porque jamais havia comandado. Seu rosto másculo e nobre exprimia pensamentos largos, e apenas para a esposa sua fisionomia era uma impostura. De tanto ouvir as pessoas reconhecerem seus talentos postiços, o marquês d’Aiglemont acabou por convencer-se de que era um dos homens mais notáveis da corte, na qual, graças a suas aparências, soube agradar e fazer aceitar sem protesto seus diferentes valores.

Todavia, o sr. d’Aiglemont era modesto em casa, sentia ali instintivamente a superioridade da esposa, ainda que ela fosse jovem; e, desse respeito involuntário, nasceu um poder oculto que a marquesa viu-se forçada a aceitar, apesar de todos os seus esforços para afastar esse fardo. Conselheira do marido, ela dirigia suas ações e sua fortuna. Essa influência antinatural foi para ela uma espécie de humilhação e a fonte de muitos padecimentos que sepultava no coração. Antes de mais nada, seu instinto tão delicadamente feminino dizia-lhe que é muito mais belo obedecer a um homem de talento do que conduzir um tolo, e que uma jovem esposa, obrigada a pensar e a agir como homem, não é nem mulher nem homem, abdica todos os encantos de seu sexo ao perder suas fraquezas, e não adquire nenhum dos privilégios que nossas leis reservaram aos mais fortes. Sua existência ocultava uma derrisão bastante amarga. Não era ela obrigada a honrar um ídolo oco, proteger seu protetor, pobre criatura que, em troca de uma dedicação contínua, só lhe dava o amor egoísta dos maridos, vendo nela apenas a mulher, não se dignando ou não sabendo, injúria igualmente profunda, interessar-se pelos prazeres dela nem pela causa de sua tristeza e definhamento? Como a maior parte dos maridos que sentem o jugo de um espírito superior, o marquês salvava seu amor-próprio alegando a fraqueza física e a fraqueza moral de Júlia, que ele se comprazia em lastimar perguntando ao destino por que lhe dera por esposa uma jovem doentia. Enfim, fazia-se a vítima quando era o carrasco. A marquesa, oprimida por todos os infortúnios dessa triste existência, tinha ainda que sorrir a seu marido imbecil, enfeitar de flores uma casa enlutada e ostentar felicidade num rosto empalidecido por secretos suplícios. Essa responsabilidade de honra, essa abnegação magnífica foram dando aos poucos à marquesa uma dignidade de mulher, uma consciência de virtude que lhe serviram de salvaguarda contra os perigos do mundo. Depois, para sondar esse coração a fundo, talvez a infelicidade íntima e secreta que havia coroado seu primeiro, seu ingênuo amor de moça, levou-a a sentir horror às paixões; não concebia nem o arrebatamento nem as alegrias ilícitas mas delirantes que levam certas mulheres a esquecer as leis da sabedoria, os princípios de virtude sobre os quais repousa a sociedade. Renunciando, como a um sonho, às doçuras, à terna harmonia que a velha experiência da sra. de Listomère-Landon lhe havia prometido, ela esperava com resignação o fim de suas penas e confiava morrer jovem. Desde seu regresso da Touraine, sua saúde debilitava-se a cada dia e a vida parecia-lhe ser medida pelo sofrimento; sofrimento elegante, aliás, doença quase voluptuosa na aparência, que podia passar aos olhos das pessoas superficiais como uma fantasia de mulher afetada. Os médicos haviam condenado a marquesa a permanecer deitada num divã, onde estiolava em meio a flores que murchavam como ela. Sua fraqueza proibia-lhe a marcha e o ar livre; ela saía apenas em carruagem fechada. Constantemente cercada das maravilhas de nosso luxo e de nossa indústria modernos, assemelhava-se menos a uma enferma que a uma rainha indolente. Alguns amigos, talvez preocupados com sua infelicidade e sua fraqueza, seguros de encontrá-la sempre em casa, e certamente especulando também sobre sua saúde futura, vinham trazer-lhe notícias e informá-la sobre os mil pequenos acontecimentos que tornam a existência em Paris tão variada. Sua melancolia, embora grave e profunda, era assim a melancolia da opulência. A marquesa d’Aiglemont parecia uma bela flor cuja raiz é roída por um inseto negro. Às vezes frequentava a sociedade, não por gosto, mas para obedecer às exigências da posição a que aspirava o marido. Sua voz e a perfeição de seu canto permitiam-lhe então recolher aplausos que quase sempre lisonjeiam uma mulher jovem; mas de que lhe serviam sucessos que ela não relacionava a sentimentos nem a esperanças? O marido não gostava de música.