Mas, na maioria das vezes, àquela hora, eu sabia que encontrava a duquesa em casa, e isso me fazia contente, pois era mais comodo para lhe pedir as demoradas informações desejadas por Albertine.

E eu descia quase sem pensar o quanto era extraordinário que, à casa dessa misteriosa Sra. de Guermantes da minha infância, eu comparecesse exclusivamente a fim de me valer dela para uma simples comodidade prática, como fazemos com o telefone, instrumento sobrenatural, diante de cujos milagres a gente se maravilhava outrora, e do qual nos servimos hoje sem nem pensar nisso, para chamar o alfaiate ou encomendar um sorvete.

As ninharias do vestuário davam grande prazer a Albertine. Eu não sabia me recusar a dar-lhe, todos os dias, um presente desse tipo. E cada vez que ela me falava com encantamento numa écharpe, numa estola, numa sombrinha que, pela janela, ou passando pelo pátio, com seus olhos que percebiam tão depressa tudo o que se relacionasse à elegância, ela avistara no pescoço, nos ombros, na mão da Sra. de Guermantes, sabendo que o gosto naturalmente difícil da moça (ainda marcado pelas lições de elegância dadas pela conversação de Elstir) não se satisfaria de modo algum com um simples objeto de imitação mesmo que fosse bonito, que substitui o verdadeiro aos olhos do vulgo, mas dele difere inteiramente, eu ia em segredo perguntar à duquesa onde, como, a partir de que modelo fora confeccionado aquilo que agradara a Albertine, como deveria proceder para obter exatamente aquilo, em que consistia o segredo do fabricante, o encanto (que Albertine chamava "o chique", "o gênero") de seu feitio, o nome exato a beleza da matéria tendo a sua importância e a qualidade dos tecidos que eu devia pedir que fossem utilizados.

Quando eu dissera a Albertine, na nossa chegada de Balbec, que a duquesa de Guermantes morava à nossa frente, no mesmo palacete, ela assumira, ao ouvir o grande título e o grande nome, esse ar mais que indiferente, hostil, desdenhoso, que é o sinal do desejo impotente nas naturezas orgulhosas e apaixonadas. Por magnífica que fosse a de Albertine, as qualidades que encerrava só podiam se desenvolver no meio desses entraves que são os nossos gostos, ou esse luto dos gostos a que fomos obrigados a renunciar-como, no caso de Albertine, o esnobismo-e a que chamamos ódios. O de Albertine pela alta sociedade, aliás, guardava muito pouco espaço em seu espírito e me agradava por um aspecto de "espírito de revolução"-quer dizer, amor infeliz pela nobreza-inscrito na face oposta do caráter francês em que está o gênero aristocrático da Sra. de Guermantes. Albertine, pela impossibilidade de alcançá-lo, talvez nem se preocupasse com ele, mas, lembrando-se que Elstir lhe falara da duquesa como sendo a mulher que melhor se vestia em Paris, o desdém republicano quanto a uma duquesa cedera em minha amiga a um vivo interesse por uma elegante.

Pedia-me freqüentemente informações sobre a Sra. de Guermantes e gostava que eu fosse buscar com a duquesa conselhos de toalete para ela própria. Sem dúvida eu poderia pedi-las à Sra.

Swann e até lhe escrevi uma vez com essa finalidade. Mas a Sra. de Guermantes me parecia levar ainda mais longe a arte de se vestir. Se, descendo por um momento à casa dela, depois de me haver assegurado de que ela não saíra e tendo pedido que me avisassem logo que Albertine voltasse, eu encontrasse a duquesa envolvida na bruma de um vestido de crepe da China cinzento, aceitava esse aspecto que sentia dever-se à causas complexas e que não poderia ter mudado, deixava-me invadir pela atmosfera que dele se desprendia, como o fim de certas tardes envoltas num cinza-pérola por uma névoa vaporosa; se, pelo contrário, esse vestido caseiro era chinês, com flamas rubras e amarelas, eu a olhava como a um poente que se esbraseia; essas toaletes não eram um cenário qualquer, substituível à vontade, mas uma dada realidade poética, como o é a do tempo que faz, como o é a luz especial a uma determinada hora.

De todos os vestidos ou chambres que a Sra. de Guermantes usava, aqueles que pareciam mais corresponder a uma determinada intenção, ser dotados de um sentido especial, eram os vestidos que Fortuny havia feito de acordo com desenhos antigos de Veneza. Será o seu caráter histórico, será antes o fato de cada um deles ser único o que lhes dá um caráter tão particular, que a pose da mulher que os veste enquanto nos espera, enquanto conversa conosco, adquire uma importância excepcional, como se essa roupa tivesse sido o fruto de uma longa deliberação, e como se essa conversa se desprendesse da vida cotidiana como uma cena de romance?

Nos romances de Balzac vêem-se heroínas pôr intencionalmente este ou aquele vestido, no dia em que devem receber determinado visitante. Os vestidos de hoje não têm cunho tão pronunciado, com exceção das roupas de Fortuny. Nenhuma imprecisão pode subsistir na descrição do romancista, já que esse vestido existe de fato, e os seus menores desenhos são tão naturalmente determinados como os de uma obra de arte. Antes de vestir este ou aquele, a mulher teve de escolher entre dois vestidos, não mais ou menos parecidos, mas cada um profundamente individual, a que se poderia dar um nome.

Mas o vestido não me impedia de pensar na mulher. A própria Sra. de Guermantes me pareceu, nessa época, mais agradável que no tempo em que eu ainda a amava. Esperando menos dela (pois não ia mais vê-la por ela mesma) era quase com a tranqüila sem-cerimônia com que pomos, quando sozinhos, os pés na grade da lareira, que eu a escutava como teria lido um livro escrito em linguagem de outrora. Eu tinha bastante liberdade de espírito para apreciar, no que ela dizia, aquela graça francesa tão pura que já não se encontra nem na maneira de falar, nem nos escritos de hoje.