Logo no primeiro toque, Albertine veio me abrir a porta, o que foi bastante complicado, pois, como Françoise havia saído, Albertine não sabia onde acender a luz. Por fim, conseguiu fazer-me entrar, mas as flores de siringa a puseram em fuga. Coloquei-as na cozinha, de modo que, interrompendo a sua carta (não entendi por quê), minha amiga teve de ir ao meu quarto, de onde me chamou, e de estender-se em minha cama. Mais uma vez, no momento, não achei em tudo aquilo nada que não fosse muito natural, no máximo um tanto confuso, em todo caso insignificante. Ela escapara de ser surpreendida com Andrée e ganhara tempo apagando tudo, indo para o meu quarto para não deixar ver a sua cama em desordem e fingira estar escrevendo. Mas veremos tudo isso mais tarde, tudo isso que eu jamais soube se era verdadeiro.

Salvo este único incidente, tudo se passava normalmente quando eu voltava da casa da duquesa.

Ignorando Albertine se eu desejaria ou não sair com ela antes do jantar, encontrava eu de costume, na antecâmara, o seu chapéu, seu casaco, sua sombrinha, que ela deixara para qualquer eventualidade.

Logo que os avistava, ao entrar, a atmosfera da casa tornava-se respirável. Eu sentia que, em vez de um ar rarefeito, a ventura é que a enchia. Estava salvo da minha tristeza, a vista desses nadas me fazia possuir Albertine, corria para ela.

Nos dias em que eu não descia à casa da Sra. de Guermantes, a fim de que o tempo me parecesse menos longo, durante aquela hora que precedia o regresso da minha amiga, eu folheava um álbum de Elstir ou um livro de Bergotte.

Então-como as próprias obras que parecem dirigir-se apenas à vista e ao ouvido exigem que, para desfrutá-las, nossa inteligência desperta colabore estreitamente com esses dois sentidos-eu fazia, sem perceber, que saíssem de mim os sonhos que Albertine suscitara outrora, quando não a conhecia ainda, e que a vida cotidiana havia extinto. Eu os lançava na frase do músico ou na imagem do pintor como um crisol, e deles alimentava a obra que estava lendo. E esta, sem dúvida, me parecia mais viva. Porém Albertine não ganhava menos em ser desse modo transportada de um dos dois mundos a que temos acesso e onde podemos situar alternativamente um mesmo objeto, em escapar assim à esmagadora pressão da matéria para nos recrearmos nos fluidos espaços do pensamento. De súbito acontecia-me, e por um instante, poder sentir pela tediosa moça ardentes afetos. Nesse momento, ela parecia uma obra de Elstir ou de Bergotte, eu experimentava uma exaltação momentânea por ela, vendo-a no recuo da imaginação e da arte.

Em breve, preveniam-me que ela acabava de regressar; ainda tinham ordem de não lhe pronunciar o nome se eu não estivesse sozinho, se, por exemplo, estivesse comigo Bloch, a quem eu obrigava a ficar mais um instante, de modo a que não se arriscasse a encontrar a minha amiga. Pois eu escondia que ela morava comigo, e até que a recebia em casa, tamanho era o medo de que um de meus amigos se enamorasse dela, fosse esperá-la fora, ou que, no instante de um encontro na antecâmara ou no corredor, ela pudesse fazer um sinal e marcar um encontro. Depois eu ouvia o ruído da saia de Albertine, que se dirigia para o quarto, pois por discrição e também, sem dúvida, por aquelas tentações com que, no tempo dos nossos jantares na Raspeliere, esforçava-se para que eu não ficasse enciumado, ela não vinha para o meu quarto, sabendo que não estava sozinho. Mas não era só por isto, eu a compreendia logo. Lembrava-me, havia conhecido uma primeira Albertine; depois, bruscamente, ela se mudara numa outra, a atual. E pela mudança não podia eu responsabilizar a ninguém, só a mim mesmo.

Tudo o que ela teria logo me confessado facilmente, de bom grado, quando éramos bons camaradas, deixara de expandir-se desde que julgara que eu a amava, ou talvez sem pronunciar o nome do Amor, adivinhara um sentimento inquisitorial que pretende saber, entretanto sofre ao saber, e procura saber ainda mais. Desde aquele dia ela me ocultara tudo. Desviava-se do meu quarto se pensava que eu estava, nem mesmo, muitas vezes, com uma amiga e sim com um amigo, ela cujos olhos se interessavam outrora tão vivamente quando lhe falava de uma moça:

- Convém tratar de convidá-la, gostaria de conhecê-la.

- Mas ela tem aquilo que você chama de maus modos.

- Justamente, seria bem mais divertido.