“Quem é você?” Isso as conduzia de novo ao início da conversa. Alice ficou um pouco irritada com o fato de a Lagarta ficar fazendo tais interrupções. Empinou-se e disse em tom muito sério: “Acho que a senhora é que devia me dizer primeiro quem é.” “Por quê?” disse a Lagarta. Aí estava outra questão complicada. Como não encontrou nenhuma boa razão, e a Lagarta parecia estar num espírito muito desagradável, Alice virou as costas para ir embora. “Volte!” chamou a Lagarta. “Tenho algo importante a dizer.” Isto sem dúvida parecia promissor.
Alice voltou. “Mantenha a calma”, disse a Lagarta. “É tudo?” perguntou Alice, tentando conter o mais possível sua irritação. “Não”, disse a Lagarta. Alice pensou que podia muito bem esperar, pois não tinha mesmo nada para fazer e, além disso, talvez a Lagarta lhe dissesse algo que valesse a pena. Por alguns minutos a Lagarta só fumou sem dizer nada.
Por fim descruzou os braços, tirou o narguilé da boca e disse: “Então você acha que mudou muito, é?” “Tenho a impressão que sim”, falou Alice. “Eu não consigo me lembrar das coisas como antes, e eu não fico do mesmo tamanho nem dez minutos seguidos!” “Não consegue se lembrar de que coisas?” perguntou a Lagarta. “Bem, eu tentei recitar ‘A abelhinha diligente’, mas saiu tudo errado!” respondeu Alice com voz melancólica. “Recite
‘Estás velho, Pai William’”, sugeriu a Lagarta.
Alice juntou as mãos e começou: “Estás velho, Pai William”, o moço lhe disse,
“e grisalho também — é a maneira adequada, a teu ver, de passar a velhice, plantar horas a fio bananeira?” “Quando jovem”, Pai William falou para o moço, “eu temia lesões cerebrais: como nunca — hoje sei — tive um cérebro, posso fazer dessas e cada vez mais.”
“Estás velho”, seu filho falou-lhe, “e anormal é o tamanho da tua barriga: frente à porta, porém, deste um salto mortal — que faz com que alguém o consiga?” “Quando jovem”, o sábio de cãs disse no ato, “manteve-me lépido e forte este ungüento — não queres comprá-
lo? É barato: eu vendo a um tostão cada pote.” “Estás velho e as maxilas que tens”, disse o moço, “talvez não mastiguem nem banha, mas devoras um ganso e não poupas nem osso, nem bico sequer — qual a manha?”
“Quando jovem e justo”, o pai disse, “eu argüia caso a caso com minha mulher e o exercício que fiz há de dar-me energia à mandíbula enquanto eu viver.” “Estás velho”, falou-lhe o rapaz, “e eu diria que a tua visão é ruim — equilibras, porém, no nariz uma enguia: que torna alguém ágil assim?” “Respondi três questões tolas: fim da sessão”, o pai disse-lhe, “abaixa teu facho, pois não tenho mais tempo e dá o fora, senão eu chuto-te escadas abaixo.” “Não recitou certo”, disse a Lagarta. “Não muito certo, de fato”, disse Alice com timidez, “acho que algumas palavras saíram erradas.” “Saiu errado do começo ao fim”, disse a Lagarta com firmeza. Depois se seguiram alguns minutos de silêncio. A Lagarta foi a primeira a falar. “De que tamanho você quer ficar?” perguntou ela. “Oh, não faço questão do tamanho”, respondeu Alice prontamente, “mas ninguém gosta de ficar mudando tanto assim, a senhora sabe.” “Não, eu não sei”, disse a Lagarta. Alice não disse nada. Ela jamais tinha sido tão contestada em toda sua vida e sentiu que estava perdendo a paciência. “Você está satisfeita desse jeito?” indagou a Lagarta. “Bem, eu gostaria de ficar um pouquinho maior, se a senhora não se importar”, falou Alice, “sete centímetros e meio é uma altura tão insignificante!”
“É uma altura muito boa, ora!” respondeu rispidamente a Lagarta, erguendo-se enquanto falava (ela tinha exatos sete centímetros e meio de altura). “Mas eu não estou acostumada!” lamentou a pobre Alice, em tom desanimado. E pensou: “Só queria que essas criaturas não se ofendessem com tanta facilidade!” “Com o tempo você vai se acostumar”, disse a Lagarta, colocando o cachimbo na boca. E começou a fumar outra vez.
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