(Alice tinha ido à praia só uma vez na vida, mas chegara à conclusão geral de que, em qualquer ponto do litoral da Inglaterra, sempre se encontram cabines de banho no mar, crianças brincando com pazinhas na areia, uma fileira de casas para alugar e, atrás disso tudo, uma estação ferroviária.) Porém, logo se deu conta de que estava no mar de lágrimas que chorara quando tinha dois metros e meio de altura. “Seria melhor não ter chorado tanto!” lamentou-se Alice enquanto nadava, tentando sair dali. “Parece que serei punida agora por isso, afogando-me em minhas próprias lágrimas! Será uma coisa esquisita, com certeza! Mas tudo está muito esquisito hoje.”
Naquele momento, percebeu que algo estava se movendo na água não longe dali, e foi nadando para ver o que era: a princípio achou que era uma morsa ou um hipopótamo, mas ao lembrar-se do quanto estava pequena, atinou que era apenas um rato que escorregara na água, assim como ela mesma. “Será que adiantaria”, pensou Alice,
“falar com este rato agora? Tudo está tão anormal por aqui, que seria bem possível ele responder; em todo caso, não custa nada tentar.” E começou: “Ó Rato, você sabe como se sai deste mar? Estou cansada de nadar aqui, ó Rato!” (Alice imaginava que fosse essa a forma correta de dirigir-se a um rato: ela nunca fizera algo assim antes, mas se lembrava muito bem de ter visto na Gramática Latina de seu irmão: “Um rato, de um rato, a um rato, um rato, ó rato!”).
O rato olhou-a de modo interrogativo, e pareceu até que piscava um de seus olhinhos, mas ele não disse nada. “Talvez ele não entenda inglês”, pensou Alice. “Quem sabe não é um rato francês, que veio à Inglaterra com Guilherme, o Conquistador?” Começou de novo: “Où est ma chatte?”, que era a primeira frase de seu livro de francês.
O Rato teve um sobressalto e pulou fora d’água, tremendo, arrepiado de medo. “Oh! Perdoe-me, por favor!” gritou depressa Alice, com medo de ter ferido os sentimentos do pobre animal. “Esqueci completamente que você não gosta de gatos.” “Não gosto de gatos!?” gritou o Rato com voz estridente e exaltada. “Você gostaria de gatos, se fosse eu?” “É, acho que não” falou Alice num tom suave. “Mas não fique bravo. Sabe, eu gostaria que você conhecesse nossa gata Diná. Acho que você simpatizaria com gatos na mesma hora, se a visse.
É tão meiga, tão quietinha”, prosseguiu Alice, falando um pouco para si própria, enquanto nadava preguiçosamente naquele mar, “e ela fica ronronando tão lindinha perto da lareira, lambendo suas patas e limpando seu rosto, e é tão macia de se acariciar, e é tão necessária para caçar camundongos... Oh! Perdoe-me, por favor!” implorou Alice de novo, pois dessa vez o Rato estava todo eriçado, e ela teve certeza de que o ofendera verdadeiramente. “Não falaremos mais dela, se você preferir.” “Nós? Não diga!” berrou o Rato, que estava trêmulo até a ponta do rabo. “Como se eu tivesse falado de tal assunto!
Nossa família sempre detestou gatos: animais sórdidos, reles, vulgares! Não me fale essa palavra de novo!” “Juro que não falarei mais” disse Alice, com pressa de mudar o assunto da conversa. “Você gosta de... gosta de... Cachorros?”.
O Rato não respondeu. Então Alice prosseguiu, entusiasmada: “Tem um cachorrinho tão bonito perto de nossa casa, queria que você o conhecesse! Um pequenino terrier11 com olhos brilhantes, sabe, e com um longo pêlo castanho encaracolado! Ele vai buscar tudo o que atiramos para ele, sabe sentar-se e pedir sua refeição e tantas outras coisas — não me lembro agora nem da metade... Pertence a um fazendeiro, sabe? Ele diz que o cãozinho é muito útil e que custou bem caro! Diz que ele pega gatos e ratos — oh, meu Deus!” gritou Alice num tom desesperado. “Temo que o tenha ofendido de novo!” De fato, o Rato estava nadando o mais longe possível dela e produzindo uma grande agitação na água, por onde passava. Ela chamou docemente por ele: “Volte Rato querido! Volte! Não falaremos mais de gatos nem de cachorros, se você não quiser!” Ao ouvir isso, o Rato virou-se e começou a nadar devagarzinho em direção a ela: seu rosto estava pálido (de raiva, pensou Alice), e ele disse em voz baixa e trêmula,
“Vamos até a margem, que vou lhe contar a minha história. Você entenderá porque odeio cães e gatos.”
Já era tempo de sair, pois o mar estava ficando cheio de pássaros e outros animais que caíram ali: havia um Pato, um Dodo, um Louro, uma Aguieta e várias outras criaturas bizarras. Alice tomou a frente, e toda a turma foi nadando até a praia.
CAPÍTULO 3
*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*
UMA CORRIDA ELEITORAL E O LONGO RABO DE UMA HISTÓRIA
Era de fato bizarro o grupo que se reuniu na margem: os pássaros arrastando a plumagem, os outros animais com o pêlo grudado ao corpo, todos ensopados, desconfortáveis e contrariados.
A primeira questão a ser colocada era, logicamente, como secar outra vez: fizeram uma consulta e, em alguns minutos, pareceu bastante natural a Alice o fato de estar conversando familiarmente com eles, como se já os conhecesse há muito tempo.
1 comment