— Mas esse amor, longe de satisfazer a um noivo, é pelo contrário um sério obstáculo para o casamento… A senhora vai fazer a sua desgraça e a do pobre homem!

— Ora! O outro amor virá depois…

— Duvido!

— Virá à força de dedicação por parte dele e de reconhecimento por minha parte.

— Acho tudo isso imoral e ridículo, permita que lho diga!

— Não estamos de acordo.

— E se eu me entender com ele? Se lhe pedir que me dê, suplicar, de joelhos, se preciso for?… Pode ser que o homem, bom, como a senhora diz que é, se compadeça de mim, ou de nós, e…

— É inútil! Ele só tem uma preocupação na vida: ser meu marido!

— Fujamos então!

— Deus me livre! Estou certa de que com isso causaria a morte do meu benfeitor!

— Devo, nesse caso, perder todas as esperanças de…?

— Não! Deve esperar com paciência. Pode bem ser que ele mude ainda de idéia, ou, quem sabe? Pode ser que morra antes de realizar o seu projeto…

— E acha a senhora que esperarei, sabe Deus por quanto tempo! Sem sucumbir à violência da minha paixão?…

— O verdadeiro amor a tudo resiste, quando mais ao tempo! Tenha fé e constância é só o que lhe digo. E adeus.

— Pois adeus!

— Não vale zangar-se. Trepe de novo ao muro e retire-se. Vou buscar-lhe uma cadeira.

— Obrigado. Não é preciso. Faço todo o gosto em cair, se me escorregar a mão! Quem me dera até que morresse da queda, aqui mesmo!

3

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— Deixe-se de tolices! Vá!

Saí; saí ridiculamente, trepando-me pelo muro, como um macaco, e levando o desalento no coração. — Ah! maldito tutor dos diabos! Velho gaiteiro e libertino!

Ignóbil maluco, que acabava de transformar em fel todo o encanto e toda a poesia da minha existência! — A vontade que eu sentia era de matá-lo; era de vingar-me ferozmente da terrível agonia que aquele monstro me ferrara no coração!

— Mas não as perdes, miserável! Deixa estar! Prometia eu com os meus botões.

Não pude comer, nem dormir, durante muitos dias. Entretanto, a minha adorável vizinha falava-me sempre, sorria-me, atirava-me flores, recitava os meus versos e conversava-me sobre o nosso amor. Eu estava cada vez mais apaixonado.

Resolvi destruir o obstáculo da minha felicidade. Resolvi dar cabo do tutor de Ester.

Já o conhecia de vista; muita vez encontramo-nos à volta do espetáculo, em caminho de casa. Ora a rua em que habitava o miserável era escusa e sombria…

Não havia que hesitar: comprei um revólver de seis tiros e as competentes balas.

— E há de ser amanhã mesmo! jurei comigo.

E deliberei passar o resto desse dia a familiarizar-me com a arma no fundo da chácara; mas logo às primeiras detonações os vizinhos protestaram; interveio a polícia, e eu tive de resignar-me a tomar um bode da Tijuca e ir continuar o meu sinistro exercício no hotel Jordão.

Ficou, pois, transferido o terrível desígnio para mais tarde. Eram alguns dias de vida que eu concedia ao desgraçado.

No fim de uma semana estava apto a disparar sem receio de perder a pontaria. Voltei para o meu cômodo de rapaz solteiro; acendi um charuto; estirei-me no canapé e dispus-me a esperar pela hora.

— Mas , pensei já à noite, quem sabe se Ester não exagerou a cousa?… Ela é um pouquinho imaginosa… Pode ser que, se eu falasse ao tutor de certo modo…

Hein? Sim! É bem possível que o homem se convencesse e… Em todo o caso, que diabo, nada perderia eu em tentar!… Seria até muito digno de minha parte…

— Está dito! resolvi, enterrando a cabeça entre os travesseiros. Amanhã procuro-o; faço-lhe o pedido com todas as formalidades; se o estúpido negar —

insisto, falo, discuto; e, se ele, ainda assim, não ceder, então bem — Zás ! Morreu !

Acabou-se !

No dia imediato, de casaca e gravata branca, entrava eu na sala de visitas do meu homem.

Era domingo, e apesar de uma hora da tarde, ouvi barulho de louça lá dentro.

Mandei o meu cartão. Meia hora depois apareceu-me o velhote, de rodaque branco, chinelas, sem colete, palitando os dentes.