O inspetor, bastante vexado, mordia os lábios. O gracejo não lhe parecia merecer tais acessos de alegria.

A chegada de um guarda lhe deu tempo para se recompor. O homem trazia a refeição que Arsène Lupin, por favor especial, fazia vir do restaurante vizinho. Tendo depositado a bandeja em cima da mesa, o guarda se retirou. Arsène se acomodou, cortou o pão, comeu duas ou três bocadas e continuou:

– Mas fique tranquilo, meu caro Ganimard, você não irá até lá. Vou lhe revelar uma coisa que o deixará estupefato: o caso Cahorn está a ponto de ser arquivado.

– O quê?!

– A ponto de ser arquivado, eu disse.

– Ora essa, acabo de falar com o chefe da polícia!

– E daí? Acaso o sr. Dudouis sabe mais do que eu sobre o que me interessa? Você ficará sabendo que Ganimard, perdão, que o pseudo-Ganimard permaneceu em muito boas relações com o barão. Este, e é a razão pela qual ele nada confessou, o encarregou da delicada missão de negociar comigo uma transação e, neste exato momento, mediante certa quantia, é provável que o barão já tenha recebido de volta seus prezados bibelôs. Em troca, ele retirará a queixa. Portanto, não há mais roubo. Portanto, a Polícia Judiciária terá de abandonar o caso...

Ganimard olhou o detento com um ar estarrecido:

– E como sabe de tudo isso?

– Acabo de receber um telegrama que eu esperava.

– Você acaba de receber um telegrama?

– Agorinha mesmo, caro amigo. Por polidez, não quis lê-lo em sua presença. Mas, se me autorizar...

– Está zombando de mim, Lupin.

– Queira abrir suavemente, meu caro amigo, esse ovo na casca. Você mesmo constatará que não estou zombando.

Maquinalmente Ganimard obedeceu e quebrou o ovo com a lâmina de uma faca. Um grito de surpresa lhe escapou. A casca vazia continha uma folha de papel azul. A pedido de Arsène, Ganimard a desenrolou. Era um telegrama, ou melhor, uma parte de telegrama do qual haviam sido arrancadas as indicações do correio. Ele leu:

Acordo concluído. Cem mil balas entregues. Tudo certo.

– Cem mil balas? – ele disse.

– Sim, cem mil francos! É pouco, mas os tempos andam difíceis... E tenho despesas gerais muito pesadas! Se conhecesse meu orçamento... um orçamento de cidade grande!

Ganimard se levantou. Seu mau humor havia passado. Ele refletiu alguns segundos, com um olhar abrangeu todo o caso para tentar descobrir seu ponto fraco. Depois pronunciou, num tom que deixava transparecer claramente sua admiração de conhecedor:

– Por sorte não há dezenas de homens como você, caso contrário só restaria abandonar a profissão.

Arsène Lupin assumiu um ar modesto e respondeu:

– Ora! Eu precisava me distrair, ocupar as horas vagas... considerando que o golpe só podia dar certo se eu estivesse na prisão.

– Como! – exclamou Ganimard. – Seu processo, a defesa, a instrução, nada disso é suficiente para distraí-lo?

– Não, pois resolvi não assistir ao meu julgamento.

– O quê?!...

Arsène Lupin repetiu pausadamente:

– Não assistirei ao meu julgamento.

– Verdade?

– Meu caro, imagina que vou apodrecer sobre a palha úmida? Você me ultraja. Arsène Lupin só fica na prisão o tempo que lhe apraz, nem um minuto mais.

– Então talvez tivesse sido mais prudente não entrar – objetou o inspetor num tom irônico.

– Está fazendo troça, o senhor que teve a honra de proceder à minha detenção? Pois saiba, respeitável amigo, que ninguém, seja você ou qualquer outro, teria posto a mão em mim se um interesse bem mais alto não me tivesse solicitado num momento crítico.

– Você me surpreende.

– Uma mulher me olhou, Ganimard, e eu a amei. Compreende tudo o que há no fato de ser olhado pela mulher que se ama? Juro que o resto pouco me importava.