O jejuador podia jejuar tão bem quanto quisesse - e ele o

fazia - mas nada mais podia salvá-lo: passavam reto por ele. Tente explicar a

alguém a arte do jejum! Não se pode explicá-la para quem não a sente. Os

belos cartazes ficaram sujos e ilegíveis, foram arrancados, não ocorreu a

ninguém substitui-los; a pequena tabela com o número dos dias de jejum, que

nos primeiros tempos era cuidadosamente renovada, continuava a mesma há

muito tempo, pois após as primeiras semanas os próprios funcio nários não

quiseram mais se dar nem a este pequeno trabalho; assim o artista da fome

continuou jejuando como um dia sonhara, e isso não representava nenhum

grande esforço para ele, tal como havia previsto. Mas ninguém contava os

dias, ninguém, nem mesmo o jejuador conhecia a extensão do seu

desempenho, e seu coração ficou pesado. E quando certa vez, nesse tempo, um

ocioso se deteve diante da jaula, escarneceu da velha cifra na tabela e falou de

embuste, essa foi, à sua maneira, a mais estúpida mentira que a indiferença e a

maldade inata puderam inventar, já que não era o artista da fome quem

cometia a fraude - ele trabalhava honestamente - mas sim o mundo que o

fraudava dos seus méritos.

Passaram-se ainda muitos dias e até isso chegou ao fim. Certa vez um inspetor

notou a jaula e perguntou aos serventes por que deixavam sem uso aquela

peça perfeitamente aproveitável com palha apodrecida dentro; ninguém sabia,

até que um deles, com a ajuda da tabuleta, se lembrou do artista da fome.

Levantaram a palha com ancinhos e encontraram nela o jejuador.

- Você continua jejuando? - perguntou o inspetor. - Afinal quando vai parar?

- Peço desculpas a todos - sussurrou o artista da fome; só o inspetor, que

estava com o ouvido co-lado às grades, o entendia.

- Sem dúvida - disse o inspetor, colocando o dedo na testa, para indicar aos

funcionários, com isso, o estado mental do jejuador. - Nós o perdoamos.

- Eu sempre quis que vocês admirassem meu jejum - disse o artista da fome.

- Nós admiramos - retrucou o inspetor. -Por que não haveríamos de admirar?

- Mas não deviam admirar - disse o jejuador.

- Bem, então não admiramos - disse o inspetor. - Por que é que não devemos

admirar?

- Porque eu preciso jejuar, não posso evitá-lo - disse o artista da fome.

- Bem se vê - disse o inspetor. - E por que não pode evitá-lo?

- Porque eu - disse o jejuador, levantando um pouco a cabecinha e falando

dentro da orelha do inspetor com os lábios em ponta, como se fosse um beijo,

para que nada se perdesse. - Porque eu não pude encontrar o alimento que me

agrada. Se eu o tivesse encontrado, pode acreditar, não teria feito nenhum

alarde e me empanturrado como você e todo mundo.

Estas foram suas últimas palavras, mas nos seus olhos embaciados persistia a

convicção firme, embora não mais orgulhosa, de que continuava jejuando.

- Limpem isso aqui! - disse o inspetor, e enterraram o artista da fome junto

com a palha.

Mas na jaula puseram uma jovem pantera. Era um alívio sensível até para o

sentido mais embotado ver aquela fera dando voltas na jaula tanto tempo

vazia. Nada lhe faltava. O alimento de que gostava, os vigilantes traziam sem

pensar muito; nem da liberdade ela parecia sentir falta: aquele corpo nobre,

provido até estourar de tudo o que era necessário, dava a impressão de

carregar consigo a própria liberdade; ela parecia estar escondida em algum

lugar das suas mandíbulas. E a alegria de viver brotava da sua garganta com

tamanha intensidade que para os espectadores não era fácil suportá-la. Mas

eles se dominavam, apinhavam-se em torno da jaula e não queriam de modo

algum sair dali.

.