Tom disse que não tinha vela suficiente e que ele ia se enfiar na cozinha e pegar mais algumas. Eu não queria saber dele tentar pegar as velas. Disse que Jim podia acordar e vir atrás da gente. Mas Tom quis arriscar; então a gente se enfiou ali e pegou três velas, e Tom deixou cinco centavos na mesa como pagamento. Depois a gente saiu, e eu tava doido pra ir embora, mas nada fez Tom abandonar o plano de se arrastar de quatro até onde Jim tava pra jogar alguma coisa nele. Eu esperei, e pareceu um bom tempo, tudo tava tão quieto e solitário.
Assim que Tom voltou, a gente seguiu pelo atalho, ao redor da cerca do jardim, e em pouco tempo chegou ao topo íngreme do morro no outro lado da casa. Tom disse que tirou o chapéu da cabeça de Jim e dependurou num ramo bem no alto, e Jim se mexeu um pouco, mas não acordou. Mais tarde Jim disse que foi enfeitiçado pelas bruxas, que elas puseram ele num transe e carregaram ele por todo o estado, e que depois colocaram ele embaixo das árvores de novo e dependuraram o chapéu dele num ramo pra mostrar quem tinha feito o truque. E na vez seguinte que Jim contou a história, ele disse que foi levado até Nova Orleans; e, depois disso, toda vez que contava a história ele aumentava mais e mais, até que daí a pouco ele disse que elas levaram ele pelo mundo inteiro e deixaram ele morto de cansaço, com o traseiro todo coberto de furúnculos da sela. Jim tinha um orgulho enorme da história, e ele ficou de um jeito que nem olhava mais pros outros negros. Os negros andavam quilômetros pra ouvir Jim contar a história, e ele era mais admirado que qualquer outro negro naquela região. Os negros estranhos ficavam de boca aberta e olhavam Jim por todos os lados, igualzinho como se ele fosse um milagre. Os negros tavam sempre falando de bruxas no escuro perto do fogo da cozinha, mas sempre quando alguém falava e fingia saber tudo sobre essas coisas, acontecia que Jim entrava e dizia: “Hum! O que ocê sabe das bruxa?” e o tal do negro calava a boca e tinha que sentar bem lá no fundo. Jim sempre usava uma grande moeda de cinco centavos pendurada no pescoço por um cordão e dizia que era um amuleto que o diabo tinha dado pra ele com as próprias mãos e declarado que ele podia curar qualquer pessoa com aquilo, invocar as bruxas sempre que queria, só falando alguma coisa pra moeda, mas ele nunca disse o que era que ele falava. Os negros vinham de toda parte e davam a Jim qualquer coisa que tinham só pra dar uma olhada naquela moeda de cinco centavos, mas eles não tocavam, porque o diabo tinha colocado as mãos nela. Jim tava muito estragado como criado e acabou ficando insolente porque viu o diabo e foi carregado pelas bruxas.
Bem, quando Tom e eu chegamos bem no topo do morro, a gente olhou pra vila embaixo e conseguiu ver três ou quatro luzes piscando, onde morava gente doente, talvez; e as estrelas em cima de nós tavam cintilando muito bonitas; e lá embaixo ao lado da vila tava o rio, um quilômetro inteiro de largura, terrível de tão quieto e enorme. A gente desceu o morro e encontrou Jo Harper e Ben Rogers, e mais dois ou três dos meninos, escondidos no velho curtume. Aí a gente desatou um bote e remou pelo rio uns quatro quilômetros até o grande penhasco na encosta e foi pra margem.
A gente caminhou até uma moita de arbustos e Tom fez todo mundo jurar que ia guardar segredo, e ele então mostrou um buraco no morro, bem na parte mais densa dos arbustos. A gente acendeu as velas e se arrastou de quatro pelo chão. Andamos uns duzentos metros e aí a caverna se abriu. Tom cutucou as passagens e logo se abaixou ao pé de uma parede onde ninguém ia notar que tinha um buraco. A gente enveredou por um lugar estreito e entrou numa espécie de sala, toda úmida, viscosa e fria, e ali paramos. Tom diz:
– Agora vamos fundar um bando de assaltantes e dar o nome de Bando de Tom Sawyer. Todos os que querem participar têm que fazer um juramento e escrever o nome com sangue.
Todo mundo queria participar. Então Tom tirou do bolso uma folha de papel em que tinha escrito o juramento e leu em voz alta. Obrigava todo menino a jurar que não ia abandonar o bando e que nunca ia contar pra ninguém nenhum dos segredos; se alguém fizesse alguma coisa com qualquer garoto do bando, o menino que recebia a ordem de matar aquela pessoa e a sua família devia cumprir a ordem, e ele não devia comer nem dormir até matar todos e marcar uma cruz no peito de cada um com uma faca, que era o sinal do bando. E ninguém fora do bando podia usar aquela marca e, se usava, devia ser processado; e se fazia de novo, devia ser morto. E se alguém que pertencia ao bando contava os segredos, devia ter a garganta cortada, depois a sua carcaça devia ser queimada e as cinzas espalhadas por toda parte, e o seu nome era apagado da lista com sangue e nunca mais mencionado pelo bando, amaldiçoado com uma praga e esquecido pra sempre.
Todo mundo disse que era um juramento muito bonito, e os meninos perguntaram a Tom se ele tinha tirado as palavras da própria cabeça. Ele disse que parte das palavras, mas o resto era tirado de livros de piratas e livros de assaltantes, e todo bando de valor tinha um juramento.
Alguns acharam que era bom matar as famílias dos meninos que contavam os segredos. Tom disse que era uma boa ideia, então ele pegou o lápis e escreveu no papel.
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