Enquanto Tom estava jantando e roubando torrões de açúcar sempre que podia, tia Polly começou a lhe fazer perguntas ardilosas e cheias de segundas intenções. Na verdade, ela estava tentando “armar-lhe uma cilada” para que ele fizesse algumas revelações comprometedoras. Como a maioria das pessoas de coração meigo, ela tinha a vaidade de acreditar ser muito esperta e ter um grande talento para a criação de manobras tortuosas e cheias de mistérios. De fato, considerava que suas artimanhas mais ingênuas eram maravilhosos exemplos de esperteza. Assim, ela disse:
– Tom, estava meio quente na escola, não estava?
– Sim, “siora”.
– Realmente muito quente, não estava?
– Sim, “siora”.
– Você não ficou com vontade de ir nadar no rio, Tom?
Uma pontinha de medo surgiu no coração de Tom – uma suspeita desconfortável de que tinha sido apanhado. Observou cuidadosamente a expressão do rosto de tia Polly, mas não conseguiu descobrir nada. Então, respondeu:
– Não, “siora”. Bem, muita vontade eu não tive.
A velhinha estendeu a mão e apalpou a camisa de Tom. Depois disse:
– Você não está com muito calor agora, está?
Sentiu-se um pouco envaidecida, porque tinha tocado na camisa do menino e descoberto que esta se achava seca, sem que ninguém suspeitasse que sua intenção era justamente essa desde o começo. Mas acontece que, a essa altura, Tom já sabia muito bem “de que lado o vento soprava”. Assim, foi falando bem depressa para se defender antes que viesse o ataque seguinte:
– Alguns dos meus colegas tiraram água do poço e derramamos na cabeça – a minha ainda está um pouco úmida. Está vendo?
Tia Polly ficou desapontada por não haver percebido essa “prova circunstancial” e deste modo ter perdido a oportunidade de marcar um ponto contra o garoto. Mas sentiu um novo acesso de inspiração:
– Tom, você não desmanchou a costura do colarinho de sua camisa, desmanchou? Quero dizer, na hora em que derramou água na cabeça. Abra seu casaco.
Uma expressão de alívio substituiu a preocupação no rosto de Tom. Ele abriu o casaco e mostrou que o colarinho da camisa estava perfeitamente costurado.
– Droga! Está certo, chega de brincadeiras. Eu só estava tentando descobrir se você havia cabulado a aula e ido nadar no rio. Mas eu perdoo suas travessuras desta vez, Tom. Acho que você é um gato escaldado mesmo, como diz o ditado. Mas preste bem atenção: eu disse que ia perdoá-lo desta vez. Não faça isso de novo.
Ela estava meio aborrecida porque sua esperteza não tinha dado resultados e ao mesmo tempo estava satisfeita porque Tom tinha ido à escola e, pelo menos desta vez, tinha demonstrado ser obediente. Mas então, Sidney disse:
– Puxa vida, titia, a senhora não tinha costurado o colarinho dele com linha branca? Repare que agora está cerzido com linha preta…
– Ora, mas é claro! Eu costurei com linha branca. Tom!
Só que Tom não esperou pelo resto. Saiu correndo pela porta e só parou para dizer:
– Siddy, você vai me pagar por isso!
Escondido em um lugar seguro, Tom examinou as duas agulhas grandes que estavam enfiadas por trás das lapelas de seu casaco – as duas com um bom pedaço de linha enfiada – uma com linha branca e a outra com linha preta. Ele comentou consigo mesmo:
– Ela nunca teria percebido, se não fosse por aquele intrometido do Sid. Mas que droga, também, algumas vezes ela costura com linha branca e outras com linha preta. Ia ser muito melhor que ela usasse linha de uma cor só. Como é que eu vou conseguir me lembrar o tempo todo de qual foi a cor que ela usou? Mas pode apostar qualquer coisa como eu vou dar uma sova no Sid pelo que ele me fez. Ele me paga por essa, ah, me paga!
Somos obrigados a confessar que Tom não era o menino modelo da aldeia. O pior é que ele sabia muito bem qual era o menino modelo, e tinha raiva dele.
Mas dentro de dois minutos, ou até menos do que isso, ele já tinha esquecido de seus problemas. Não porque eles fossem menores e menos difíceis para ele que os de um homem adulto, mas porque seu interesse foi despertado por outra coisa e as dificuldades saíram imediatamente de sua cabeça.
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