Quando penso que, na tranquilidade do meu escritório, Nippers muitas vezes se levantava impacientemente da cadeira, e, debruçando-se sobre a mesa, com os braços bem abertos, agarrava o móvel e o sacudia e arrastava com um ruído tremendo por todo o assoalho, como se a mesa fosse um perverso agente voluntário que intentasse contrariá-lo e afligi-lo. Então compreendo bem que, para Nippers, a aguardente era completamente supérflua.

Felizmente para mim, e devido à causa que lhe era peculiar – a indigestão –, a irritabilidade e consequente nervosismo de Nippers eram sobretudo observáveis pela manhã, enquanto que, à tarde, ele ficava calmo. De maneira que os acessos de Turkey só se declarando perto do meio-dia, eu nunca precisava me defrontar com ambas as excentricidades a um só tempo. Os ataques de ambos se revezavam como sentinelas. Quando os de Nippers se mostravam alertas, os de Turkey entravam de folga, e vice-versa.

Ginger Nut, o terceiro da lista, era um rapazinho de uns doze anos. O pai, carroceiro, tinha a ambição de ver, antes de morrer, o filho não mais numa carroça, e sim sentado numa banca de tribunal. E foi assim que o mandou para o meu escritório como aprendiz, mensageiro e encarregado da limpeza, à razão de um dólar por semana. Tinha uma pequena escrivaninha só para ele, mas que não usava muito. Quando inspecionada, sua gaveta mostraria um grande sortimento de cascas de diversas espécies de nozes. Na realidade, para este rapazinho vivo, toda a nobre ciência jurídica estava contida numa casca de noz. Entre as ocupações de Ginger Nut, uma das que ele desempenhava com a maior jovialidade era a de trazer da rua bolinhos de gengibre e maçãs para Turkey e Nippers. Sendo a cópia de documentos legais notoriamente uma tarefa árida e seca, os meus dois escriturários viam-se muitas vezes obrigados a umedecer a boca com os Spitzenbergs que se vendiam nos numerosos botecos próximos da Alfândega e dos Correios. Mandavam assim, com frequência, Ginger Nut comprar aquele bolo – pequeno, chato, redondo, com especiarias – cujo nome lhe vale como apelido. Nas manhãs frias, quando o trabalho fica monótono, Turkey engolia quantidades enormes destes bolinhos como se fossem simples bolachas – e, de resto, eles eram vendidos à razão de seis ou oito por penny –, o ranger de sua pena se mesclando à sua ruidosa mastigação. Numa de suas tardes de furiosos repentes e desordenada atividade, Turkey usou um pedaço de bolo de gengibre que mastigava para selar uma hipoteca. Fiquei a ponto de despedi-lo. Ele, porém, me amoleceu fazendo uma reverência à oriental, dizendo: “Com todo o respeito, senhor, foi um ato de generosidade da minha parte abastecê-lo com artigos de papelaria por minha própria conta.”

Entretanto, a minha atividade original – o notariado, a cobrança de títulos e transcrição e cópia de documentos de toda espécie – fora consideravelmente aumentada ao ser investido no cargo de escrivão-conselheiro-jurídico. Tinha agora muito trabalho para os escriturários e precisei não só exigir mais dos que já tinha, como também recorrer aos serviços de mais alguém.

Em resposta a um anúncio, apareceu certa manhã no meu escritório um jovem, que se postou imóvel na soleira da porta da entrada, toda aberta porque era verão. Ainda me parece estar vendo essa figura – um lívido perfil, tristemente respeitável, incuravelmente perdido! Era Bartleby.

Depois da troca de algumas palavras sobre suas aptidões, contratei-o, feliz por ter entre os meus copistas um homem de aspecto tão singularmente tranquilo, o qual poderia exercer uma influência salutar sobre o temperamento arrebatado de Turkey e a fogosidade de Nippers. Eu já devia ter informado antes que o meu escritório era dividido ao meio por duas portas de vaivém, de vidro fosco, sendo um espaço ocupado pelos meus funcionários e o outro por mim. Conforme a minha disposição eu as deixava abertas ou fechadas. Resolvi atribuir a Bartleby um canto junto às referidas portas, mas do meu lado, para assim esse homem tranquilo ficar ao alcance do meu chamado, no caso de precisar de qualquer pequeno serviço dele. Coloquei a sua escrivaninha junto de uma pequena janela lateral que originariamente proporcionava uma vista meio de lado para uns pátios sombrios, de tijolo, mas que agora, devido a subsequentes construções, não dava para vista nenhuma, embora filtrasse algumas réstias de luz. A três pés das vidraças, erguia-se uma parede, e a luz descia do alto entre dois prédios altos, como de uma pequena abertura numa cúpula. E, tentando uma melhor acomodação, mandei colocar ali um alto biombo verde, que, deixando Bartleby inteiramente isolado da minha vista, mesmo assim o conservava ao alcance da minha voz. E assim ficamos, de certo modo, unidos e separados ao mesmo tempo.

A princípio, Bartleby abateu uma quantidade extraordinária de cópias. Como se há muito tempo estivesse faminto do trabalho e se saciasse agora nos meus documentos. Não fazia sequer pausas para digerir. Abatia escritas dia e noite, copiando à luz do sol e à luz de velas. Eu teria ficado plenamente feliz com a sua aplicação se ele mostrasse gosto pelo trabalho.