Não houve provocações vulgares, nem intimidações de qualquer tipo, nem brigas iradas e tampouco andei pela sala dando ordens veementes para que Bartleby fosse embora com seus míseros trapos. Nada disso. Sem levantar a voz para que Bartleby partisse – como teria feito um espírito inferior – eu presumi que ele deveria partir, e com essa suposição decidi o que iria dizer. Quanto mais pensava na minha atitude, mais encantado ficava. Porém, ao acordar na manhã seguinte, comecei a ter dúvidas; os vapores da vaidade tinham se dissipado. Uma das horas mais sensatas e serenas de um homem é quando ele acorda de manhã. A minha atitude continuava parecendo perspicaz, mas só na teoria. Como seria na prática, eis a questão. Era verdadeiramente bela a suposição de que Bartleby tinha de partir; mas a suposição era minha e não de Bartleby. A grande questão não era eu supor que ele iria embora, mas ele achar melhor fazê-lo. Ele era uma pessoa mais de preferências do que de suposições.

Depois do café da manhã, fui para o centro, pensando nos prós e nos contras. Ora pensava que tinha sido um fracasso retumbante, que encontraria Bartleby bem vivo no meu escritório como sempre; ora parecia certo que encontraria a sua cadeira vazia. Assim, eu hesitava. Na esquina da Broadway com a Canal Street, vi um grupo animado de pessoas conversando.

“Aposto que ele não sai”, disse uma voz, quando passei.

“Não sai? Aposta fechada!”, eu disse. “Mostre o dinheiro.”

Já estava colocando a mão no bolso para pegar o meu dinheiro quando lembrei que era dia de eleições. As palavras que entreouvira não se referiam a Bartleby, mas ao sucesso ou não de um candidato a prefeito. No meu estado de espírito, imaginei que toda a Broadway participava da minha ansiedade e discutia a questão comigo. Segui adiante, agradecido ao burburinho da rua por encobrir o meu devaneio momentâneo.

Conforme planejado, cheguei mais cedo do que de costume à porta do escritório. Fiquei parado escutando por uns instantes. O silêncio era total. Ele devia ter partido. Tentei a maçaneta. A porta estava trancada. Sim, o meu procedimento operara um milagre: ele devia ter desaparecido. Contudo, senti uma certa melancolia e quase lamentei o meu êxito brilhante. Estava mexendo no capacho, procurando a chave que Bartleby deveria ter deixado para mim, quando o meu joelho bateu sem querer na porta, fazendo um ruído como se eu estivesse chamando por alguém, e uma voz respondeu do lado de dentro:

“Ainda não! Estou ocupado”.

Era Bartleby.

Fiquei estupefato. Por um instante, fiquei como o homem que tinha morrido com o cachimbo na boca, há muito tempo, numa tarde sem nuvens na Virgínia, fulminado por um raio no verão; tinha morrido na sua própria janela aberta e ali permanecera, reclinado naquela tarde agradável até que alguém o tocou e ele caiu.6

“Não foi!”, murmurei, por fim. Mas obedecendo outra vez ao poder assombroso que o inconcebível escrivão tinha sobre mim, poder do qual não conseguia escapar apesar do meu empenho, comecei a descer devagar as escadas em direção à rua e, enquanto dava uma volta no quarteirão, pensei no que deveria fazer em seguida, num estado de perplexidade inaudita. Não podia mandá-lo embora com empurrões; também não era possível expulsá-lo com palavrões; chamar a polícia parecia-me uma ideia desagradável; todavia, parecia-me inadmissível permitir que usufruísse de seu triunfo macabro sobre mim. O que fazer? Ou então, se não havia mais nada a ser feito, haveria algo que eu pudesse presumir? Sim, como antes eu presumira antecipadamente que Bartleby iria embora, agora, retrospectivamente, eu presumia que tivesse partido.