Pode-se dizer que, pela manhã, seu rosto tinha um matiz florido, mas, depois das doze, da manhã – sua hora do almoço –, ardia como uma grelha cheia de brasas no Natal; e continuava a arder, diminuindo aos poucos, até as seis horas mais ou menos, quando eu não mais via o dono do rosto, que alcançara o seu auge com o sol e parecia se pôr com ele, e que no dia seguinte se levantava, atingia o seu auge e baixava com a mesma regularidade e glória. Assisti a muitas coincidências extraordinárias durante a minha vida e uma delas era o fato de que, quando Turkey exibia os melhores raios vermelhos na sua fisionomia radiante, nesse exato momento começava também o período do dia em que eu sentia a sua capacidade profissional afetada pelo resto das vinte e quatro horas seguintes. Não que fosse preguiçoso ou avesso ao trabalho, longe disso. A dificuldade era que ficava propenso a ser ativo em excesso. Havia nele uma inquietação estranha, intensa, agitada, irrequieta. Descuidava-se ao molhar a pena da caneta no tinteiro. Todos os borrões nos meus documentos eram feitos depois das doze, da manhã. De fato, não apenas ficava propenso à inquietação e, lamentavelmente, a fazer borrões à tarde, como também, às vezes, ia mais além, tornando-se barulhento. Nessas ocasiões, seu rosto ardia ainda mais intensamente, como se carvão de pedra tivesse sido amontoado sobre antracito. Mexia-se desagradavelmente na cadeira; entornava a caixa de areia; ao consertar suas canetas quebrava-as em pedaços, sem paciência, jogando-as no chão num súbito acesso de raiva; levantava-se, inclinava-se sobre sua mesa e jogava seus papéis de um modo muito inconveniente, um triste espetáculo para uma pessoa idosa como ele. Ainda assim, em muitos aspectos era alguém importante para mim e, sempre antes das doze, da manhã, era uma pessoa rápida e equilibrada, que conseguia realizar bastante trabalho num estilo inigualável; por essas razões, eu tendia a fazer vista grossa às suas excentricidades, embora às vezes eu me queixasse com ele. No entanto, fazia isso com muita delicadeza, pois um homem tão civilizado, afável e reverente quanto Turkey, pela manhã, se provocado à tarde poderia se tornar ríspido com a linguagem, ou melhor, insolente. Ora, valorizando os seus serviços matutinos como eu fazia e decidido a não perdê-los, mas ao mesmo tempo incomodado por seus modos irascíveis depois do meio-dia, e sendo um homem pacífico, pouco disposto a provocar respostas inconvenientes, resolvi num sábado ao meio-dia (ele ficava pior aos sábados) sugerir-lhe, gentilmente, que, agora com mais idade, talvez fosse melhor reduzir seus afazeres; em suma, que não precisava vir mais ao escritório depois do meio-dia, que terminado o almoço poderia ir para os seus aposentos e descansar até a hora do chá. Mas não. Insistiu em cumprir as obrigações da tarde. Sua expressão tornou-se intoleravelmente apaixonada quando me assegurou com palavras, gesticulando com uma régua comprida do outro lado da sala, que se os seus serviços eram úteis pela manhã, à tarde então eram ainda mais indispensáveis.

“Com todo o respeito, senhor”, disse Turkey naquela ocasião, “eu me considero o seu braço direito. De manhã eu apenas enfileiro as minhas colunas, dispondo-as em formação de combate, mas à tarde coloco-me à sua frente e ataco o inimigo com coragem, assim!”, e fez um gesto violento com a régua.

“Mas… e os borrões, Turkey?”, intimei-o.

“É verdade! Mas, com todo o respeito, senhor, veja meus cabelos! Estou ficando velho. É claro, senhor, que um borrão ou dois numa tarde quente não serão jogados contra meus cabelos brancos. Mesmo borrando uma página inteira, a velhice é merecedora de respeito. Com todo o respeito, senhor, nós dois estamos ficando velhos.”

Era difícil resistir a tal apelo à camaradagem. De qualquer forma, percebi que ele não iria embora. Por isso decidi deixá-lo ficar, mas tendo o cuidado de ocupá-lo à tarde com documentos menos importantes.

Nippers, o segundo da minha lista, era um jovem de vinte e cinco anos, pálido, de suíças e parecido com um pirata. Sempre achei que era vítima de duas forças malignas: a ambição e a má digestão. A ambição era demonstrada por uma certa impaciência em relação aos deveres de um simples copista, uma usurpação injustificável de assuntos exclusivamente profissionais, tal como redigir o original dos documentos legais. A má digestão parecia se manifestar com ataques nervosos de mau humor e com sorrisos forçados de irritação, que faziam com que rangesse os dentes quando cometia erros ao copiar; com praguejamentos desnecessários que eram sussurrados em vez de serem ditos, no auge da atividade; e, em especial, com um descontentamento em relação à altura da mesa onde trabalhava. Embora tivesse muita habilidade mecânica, Nippers nunca conseguiu ajustá-la direito. Colocou lascas embaixo dela, calços de vários tipos, pedaços de papelão, e, por fim, chegou mesmo a tentar um ajuste estranho de pedaços velhos de mata-borrão dobrados. Mas nada deu certo. Quando levantou a tampa da mesa num ângulo agudo, na direção do seu queixo, para aliviar as costas, e passou a escrever como um homem usando o telhado íngreme de uma casa holandesa como escrivaninha, declarou que isso prejudicava a circulação do sangue nos seus braços. Quando abaixou a mesa até a cintura, inclinando-se para escrever sobre ela, queixou-se de dores nas costas.