Se não identificar, dou-lhe um piparote, e adeus.
VIAGENS
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Machado de Assis
http://www.vidaslusofonas.pt/machado_de_assis.htm Viaja "à roda da vida", como diz; ou, imitando Xavier de Maistre, em volta do quarto; ou ainda, a exemplo de Almeida Garrett, pela sua terra, embora demande apenas cidades fluminenses próximas do Rio, para repousar e cuidar da saúde. Mas descansa carregando pedras.
ESTILO
Com pouco mais de vinte anos de idade, e tendo passado de aprendiz de tipógrafo a redator de jornal, o sisudo jovem Machado de Assis passa a assinar crônica semanal.
O titular daquele palmo de prosa demitiu-se, por motivos pessoais, e o redator-chefe, agoniado, há de ter passeado os olhos pela sala. Os olhos detêm-se em Machado.
"Aquele ali leva jeito", pensa, com certeza, o chefe de redação.
Machado, pena suspensa, todo ele atento, demonstra frieza, porque desde cedo, mulato e pobre, aprendera a disfarçar as emoções. Por dentro, ferve. É a oportunidade.
Tem de agarrá-la e nela firmar-se. A sorte é um cavalo em pêlo que passa correndo diante de nós. Ou saltamos no seu lombo e desembestamos, ou ficamos à margem do rio do Olvido. Machado, aos 22 anos, cavalga logo.
Mas antes da temida estréia, e ao contrário do que faziam seus companheiros de ofício, não convoca as musas.
Prefere uma conversa franca, a sós, com a sua pena.
Provavelmente não é uma pena de pato, daquelas que fazem letra grossa e borrada. Afinal, já há à época alguma tecnologia: penas metálicas de aberto bico são ajustadas a hastes de canetas e, molhadas no tinteiro, derramam palavras sobre a folha em branco. Escrever desse jeito exige estilo. Por estilo, aliás, entende-se o próprio instrumento de trabalho — a pena.
Trava o moço Machado de Assis um diálogo sério com a sua pena. Há umas que parecem molhadas de orvalho.
Outras há que mergulham no tinteiro denso da melancolia, como a dos pessimistas e descrentes. Existem ainda as penas iracundas e as penas líricas que soam, estas, como arquejos de harpa. E há, por fim, as leves e levianas, que 8 of 28
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Machado de Assis
http://www.vidaslusofonas.pt/machado_de_assis.htm destas não queremos saber. Pena que se preze tem de ir além da caligrafia.
Machado, já montado no cavalo da sorte, porque convém montar antes para depois cuidar das rédeas, esporas e estribos, interroga a sua pena, apostrofa-a, aconselha-a e pede-lhe conselhos. É uma consulta longa. Diz-lhe Machado, a certa altura:
— O pugilato das idéias é muito pior do que o das ruas; tu és franzina, retrai-te na luta e fecha-te no círculo dos teus deveres, quando couber a tua vez de escrever crônicas.
Cronista consciente aproveita sempre a viagem; se não alcança as rosas, balança a roseira antes de voltar às bases.
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