Se usei algumas das suas sábias ideias no meu romance, tanto melhor para mim. E tu, Beth, que dizes?
— Eu gostaria muito de o ver publicado em breve — foi tudo o que Beth disse, mas houve uma ênfase inconsciente nas duas últimas palavras e uma expressão pensativa nos olhos que nunca tinham perdido a candura da infância, que gelaram o coração de Jo durante alguns instantes com um ominoso medo e a levaram a tomar a decisão de concretizar a sua pequena aventura «em breve».
E foi assim que, com espartana firmeza, a jovem autora colocou o seu primogénito em cima da mesa e o retalhou sem dó nem piedade como uma ogra. Na esperança de agradar a todos, seguiu cada conselho que recebeu, mas, como o velho e o burro da fábula, não agradou a ninguém.
O pai gostava da veia metafísica que se lhe colara de forma inconsciente, por isso essa parte ficou, embora tivesse dúvidas em relação a ela. A mãe pensava que havia demasiada descrição, de modo que a tirou quase toda, e com ela muitas ligações necessárias na história. Meg admirava a tragédia, por isso Jo encheu as páginas de agonia para lhe agradar, enquanto Amy se opunha à comédia e, com a melhor das intenções, Jo suprimiu as alegres cenas que aligeiravam o carácter sombrio da história. Depois, para completar a ruína, cortou um terço e, com confiança, enviou o pobre pequeno romance, como um pisco depenado, para tentar a sua sorte no vasto mundo.
Sim, foi impresso, e Jo recebeu trezentos dólares por ele, bem como muitos elogios e críticas, ambos tão maiores do que ela esperava, que ficou num estado de desnorteamento do qual levou algum tempo a recuperar.
— A mãe disse que as críticas me ajudariam, mas não percebo como, se são tão contraditórias que não sei se escrevi um livro prometedor ou quebrei todos os dez mandamentos! — exclamou a pobre Jo, mexendo numa pilha de críticas ao seu livro, cuja leitura tão depressa a enchia de orgulho e alegria como de ira e profundo desânimo. — Este homem diz: «Um livro magnífico, cheio de verdadeira beleza e sinceridade; tudo é doce, puro e saudável.» — continuou a perplexa autora. — Este outro diz: «A teoria do livro é má, cheia de fantasias mórbidas, ideias espiritualistas e personagens artificiais.» Ora, como eu não tinha nenhuma teoria, não acredito no espiritualismo e copiei os personagens da vida real, não me parece que este crítico possa estar certo. Outro diz: «É um dos melhores romances americanos publicados nos últimos anos» (eu sei bem que não), e o seguinte declara que «Apesar de ser original, e estar escrito com grande força e sentimento, é um livro perigoso». Não é! Alguns troçam dele, outros exageram os elogios e quase todos insistem que eu tinha uma teoria profunda para expor, quando só escrevi pelo prazer e pelo dinheiro. Quem me dera tê-lo editado inteiro ou não o ter publicado, pois detesto que me julguem de uma forma tão equivocada.
A família e os amigos davam-lhe consolo e recomendações com liberalidade, mas foi um tempo difícil para a sensível e alegre Jo, que tinha tão boas intenções mas, aparentemente, fizera tanto mal. Todavia, fez-lhe bem, pois as pessoas cuja opinião tinha verdadeiro valor fizeram-lhe as críticas que constituem a melhor educação de um autor; e, passado o primeiro momento de mágoa, conseguiu rir-se do seu pobre livrinho, continuando a acreditar nele, e sentiu-se mais sábia e mais forte pelas sapatadas que recebera.
— Não sendo um génio, como Keats, não vai matar-me — disse, resoluta —, e, afinal de contas, a graça está do meu lado, pois as partes que foram retiradas da vida real são denunciadas como impossíveis e absurdas, e as cenas que inventei com a minha imaginação tonta são consideradas «encantadoramente naturais, ternas e verdadeiras». Vou conformar-me com isso e, quando estiver preparada, voltarei a ganhar coragem para escrever outro.
CAPÍTULO CINCO
EXPERIÊNCIAS DOMÉSTICAS
Como quase todas as recém-casadas, Meg começou a sua vida doméstica determinada a ser uma dona de casa exemplar. John devia considerar a sua casa um paraíso. Veria sempre um rosto sorridente, comeria sumptuosamente todos os dias e nunca daria conta da perda de um botão. Ela dedicava tanto amor, energia e alegria ao trabalho, que não poderia deixar de ser bem-sucedida, apesar de alguns obstáculos. O seu paraíso não era tranquilo, pois esta mulherzinha preocupava-se demais, estava demasiado ansiosa para agradar e trabalhava sem parar, sobrecarregada com muitas coisas. Por vezes até se sentia cansada demais para sorrir. Quando John ficou dispéptico depois de muitos acepipes, pediu-lhe com uma típica ingratidão masculina que confecionasse umas comidas mais simples. Quanto aos botões, depressa se começou a perguntar para onde iriam, incrédula com a despreocupação dos homens e ameaçando que o obrigaria a cosê-los para ver se o trabalho dele resistiria melhor do que o dela a puxões impacientes e dedos desajeitados.
Eram muito felizes, mesmo depois de terem descoberto que não podiam viver apenas de amor. John não considerava Meg menos bela, apesar de ver o seu rosto a sorrir-lhe, radioso, atrás da cafeteira, e Meg não sentia que a despedida diária era menos romântica só porque o marido lhe perguntava com ternura depois do beijo: «Queres que mande trazer a casa vitela ou borrego para o jantar, querida?» A casinha deixou de ser uma habitação glorificada para se transformar num lar, mas os jovens recém-casados depressa sentiram que a mudança era para melhor. No princípio brincaram às casinhas e divertiram-se nela como crianças, mas depois John concentrou-se no trabalho, sentindo sobre os ombros o peso das preocupações de ser um chefe de família. Por sua vez, Meg deixou as batas de cambraia, colocou um grande avental e atirou-se ao trabalho, como já foi dito, com mais energia do que discernimento.
Enquanto durou a mania culinária, Meg percorreu todo o Livro de Receitas da Sr.ª Cornelius como se fosse um exercício de matemática, resolvendo os problemas com paciência e atenção. Por vezes, a família era convidada para ajudar a comer uma excessiva abundância de êxitos e outras vezes Lotty despachava discretamente outros tantos fracassos, que eram escondidos de todos os olhares nos convenientes estômagos dos pequenos Hummels. Um serão com John a rever os livros de contas produzia um abrandamento temporário no entusiasmo culinário e, durante o período de frugalidade que se seguia, o pobre homem tinha de se contentar com pudim de pão, fricassé de carne e café requentado, que punham a sua paciência à prova, embora ele aguentasse tudo com uma fortaleza de espírito digna de nota. Porém, antes de o ponto de equilíbrio ser alcançado, Meg acrescentou às suas experiências domésticas aquilo a que poucos jovens casais escapam durante muito tempo — uma discussão familiar.
Cheia de entusiasmo doméstico para ver a despensa cheia de conservas caseiras, Meg decidiu fazer geleia de groselha. Pediu a John que encomendasse uns doze frascos pequenos e uma quantidade extra de açúcar, pois as groselhas estavam maduras e tinham de ser apanhadas sem demora. Como John acreditava piamente que «a minha esposa» era capaz de tudo e se orgulhava das suas capacidades, decidiu fazer-lhe a vontade e saborear a única fruta que tinham no quintal de uma forma muito agradável durante o inverno. E foi assim que chegaram lá a casa quatro dúzias de encantadores frasquinhos, meia barrica de açúcar e um rapazinho para apanhar as groselhas. Com os lindos cabelos protegidos sob uma pequena touca, os braços nus até aos cotovelos e um avental aos quadrados que a deixou muito atraente, a jovem dona de casa dedicou-se ao trabalho sem ter qualquer dúvida sobre o seu sucesso.
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