Esta personagem não deve figurar no programa.)
MENDIGA — Essa lua sumiu, e eles vêm vindo.
Daqui não passam. O rumor do rio
apagará, com o rumor dos troncos,
o desgarrado voo de seus gritos.
Vai ser aqui, e logo. Estou cansada.
Caixões abertos, com seus brancos fios,
esperam estendidos pela alcova
corpos pesados, de colo ferido.
Não desperte um só pássaro, e que a brisa,
recolhendo em seu manto esses gemidos,
fuja com eles pelas negras copas,
ou os enterre no musgo macio.
Essa lua, essa lua!
(Impaciente)
Essa lua, essa lua!
(aparece a lua. Volta a luz azul intensa.)
LUA — Já vêm vindo.
Uns chegam pelo vale e o outro pelo rio.
Vou clarear as pedras. Quer alguma coisa?
MENDIGA — Nada.
LUA O ar já vem chegando, rijo, e com dois gumes.
MENDIGA — Ilumine a jaqueta e separe os botões, que depois as navalhas já sabem o caminho.
LUA — Mas que morram bem devagar. E que seu sangue deslize entre os meus dedos com seu doce sussurro. Repare que meus vales de cinza já despertam na ânsia de ir à fonte e beber desse jorro!
MENDIGA — Não deixemos que passem do riacho. Silêncio!
LUA — Lá vêm eles!
(Sai. O palco fica às escuras)
MENDIGA — Depressa! Muita luz! Entendeu bem? Não podem escapar!
(Entram o noivo e o primeiro moço. A mendiga senta-se e tapa-se com o manto.)
NOIVO — Por aqui.
PRIMEIRO MOÇO — Não vai encontrá-los.
NOIVO (enérgico) — Hei de encontrá-los!
PRIMEIRO MOÇO — Acho que foram por outro caminho.
NOIVO — Não. Eu ouvi o galope agora mesmo.
PRIMEIRO MOÇO — Podia ser outro cavalo.
NOIVO (dramático) — Ouça: só existe um cavalo no mundo, e é aquele. Entendeu bem? Se vem comigo, venha sem discutir.
PRIMEIRO MOÇO — Eu só queria..
NOIVO — Quieto. Sei que vou encontrá-los aqui. Vê este braço? Pois não é o meu braço. É o braço do meu irmão e do meu pai e de toda a minha família que está morta. E tem tanta força que é capaz de arrancar esta árvore pela raiz, se quiser. E vamos logo, que eu sinto os dentes de todos os meus cravados aqui de um jeito que não me deixa respirar tranquilo.
MENDIGA (queixando-se) — Ai!
PRIMEIRO MOÇO — Ouviu isso?
NOIVO — Vá por ali e dê a volta.
PRIMEIRO MOÇO — Isto é uma caçada.
NOIVO — Uma caçada, sim. A maior de todas.
(Sai o moço. O noivo dirige-se rapidamente para a esquerda e tropeça na mendiga. A morte.)
MENDIGA — Ai!
NOIVO — Que faz aqui?
MENDIGA — Tenho frio.
NOIVO — Para onde vai?
MENDIGA (sempre se queixando como uma mendiga) — Lá para longe...
NOIVO — E de onde vem?
MENDIGA — Dali... , de muito longe.
NOIVO — Viu um homem e uma mulher que corriam montados num cavalo?
MENDIGA (despertando) — Espere... (Olha-o.) Que rapaz bonito! (Levanta-se.) Mas muito mais bonito se estivesse dormindo.
NOIVO — Responda logo: você viu ou não viu?
MENDIGA — Espere. .. Que ombros mais largos! Por que não prefere ficar deitado neles, em vez de andar sobre as plantas dos pés, que são tão pequenas?
NOIVO (sacudindo-a) — Perguntei se viu os dois! Passaram por aqui?
MENDIGA (enérgica) — Não passaram; mas estão descendo a colina. Não está ouvindo?
NOIVO — Não.
MENDIGA — Não conhece o caminho?
NOIVO — Vou de qualquer jeito.
MENDIGA — Eu vou junto. Conheço bem esta terra.
NOIVO (impaciente) — Mas então vamos! Por onde?
MENDIGA (dramática) — Por ali!
(Saem rapidamente. Ouvem-se ao longe dois violinos, que significam o bosque. Voltam os lenhadores. Trazem os machados nos ombros. Passam lentamente entre os troncos.)
PRIMEIRO LENHADOR — Ai, morte que surge! Morte das folhagens grandes.
SEGUNDO LENHADOR — Não abras o jorro do sangue!
PRIMEIRO LENHADOR — Ai, morte afoita! Morte de tão secas folhas.
TERCEIRO LENHADOR — Não cubras de flores as bodas!
SEGUNDO LENHADOR — Ai, triste morte, deixa para o amor os ramos verdes!
PRIMEIRO LENHADOR — Ai, morte insana! Deixa para o amor os verdes ramos!
(Vão saindo enquanto falam.
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