Dormir de manhã, de noite velar.

MENINA (da porta) — O fio já tropeça nas pedras e cai. Os montes azuis o deixam passar. Corre, corre, corre, consegue afinal enterrar a faca e tirar o pão.

(Sai.)

SEGUNDA MOÇA — Novelo, novelo, que queres dizer?

PRIMEIRA MOÇA — Amante sem fala. Noivo carmesim. Na margem calada, caídos eu vi.

(Para, olhando o novelo.)

MENINA (aparecendo na porta) — Corre, corre, corre, o fio vem aqui. Cobertos de barro é que eles vão vir. Corpos estirados, panos de marfim!

(Sai. Aparecem a mulher e a sogra de Leonardo. Chegam angustiadas.)

PRIMEIRA MOÇA — Já estão vindo?

SOGRA (ríspida) — Não sabemos.

SEGUNDA MOÇA — O que contam das bodas?

PRIMEIRA MOÇA — Contem.

SOGRA (secamente) — Nada.

MULHER — Quero voltar, para saber de tudo.

SOGRA (enérgica) — Já para casa! Valente e só, na sua casa. Envelhecendo e chorando, mas só, de porta fechada. Nunca. Nem morto nem vivo. Vamos pregar as janelas. E caiam chuvas e noites por sobre as ervas amargas.

MULHER — Como saber...?

SOGRA — Não importa. Vá botar um véu na cara. Os filhos são filhos seus, de ninguém mais. Sobre a cama estenda uma cruz de cinzas no lugar que ele ocupava.

(Saem.)

MENDIGA (da porta) — Um pedaço de pão, mocinhas.

MENINA — Fora!

(As moças se agrupam.)

MENDIGA — Por quê?

MENINA — Seus gemidos. Fora!

PRIMEIRA MOÇA — Menina!

MENDIGA — Podia pedir seus olhos! Uma nuvem de pássaros me segue; não quer um?

MENINA — Quero ir embora!

SEGUNDA MOÇA (para a Mendiga) — Não ligue pra ela.

PRIMEIRA MOÇA — Veio pelo caminho do riacho?

MENDIGA — Venho de lá.

PRIMEIRA MOÇA (tímida) — E posso perguntar...?

MENDIGA — Eu os vi; logo chegam; são dois rios quietos, enfim, por entre as pedras grandes, são dois homens nas patas do cavalo. Mortos no meio do esplendor da noite. (Deliciada) Mortos, sim, mortos.

PRIMEIRA MOÇA — Chega, velha, chega!

MENDIGA — Seus olhos, flores murchas, e seus dentes dois punhados de neve endurecida. Os dois caíram; só voltou a noiva, com sangue pela saia e nos cabelos. Estão vindo, cobertos por dois mantos, nos ombros fortes de rapazes altos. Foi assim; nada mais. Tinha que ser. Por sobre a flor do ouro, areia suja.

(Sai. As moças inclinam as cabeças e, ritmicamente, vão saindo.)

PRIMEIRA MOÇA — Areia suja.

SEGUNDA MOÇA — Por sobre a flor do ouro.

MENINA — Por sobre a flor do ouro trazem os mortos do riacho. Moreninho é um, moreninho é o outro. Que rouxinol de sombra voa e geme por sobre a flor do ouro!

(Sai. O palco fica vazio. Aparece a mãe com uma vizinha.