A criada penteia-a.)
NOIVA — Minha mãe era de um lugar onde havia muitas árvores. De terra rica.
CRIADA — Ela era assim, tão alegre!
NOIVA — Mas se consumiu aqui.
CRIADA — O destino.
NOIVA — Como nos consumimos todas. Sai fogo dessas paredes. Ai, não puxe tanto!
CRIADA — É para ajeitar melhor esta onda. Quero que fique caída na testa. (A Noiva olha-se no espelho.) Você está tão linda! Ah! (Beija-a carinhosamente.)
NOIVA (séria) — Penteie mais.
CRIADA (penteando-a) — Você é que é feliz: vai abraçar um homem, e beijá-lo, e sentir o peso dele!
NOIVA — Pare com isso.
CRIADA — E o melhor vai ser quando acordar, e sentir que ele está bem ao seu lado, com a respiração roçando os seus ombros, como se fosse uma peninha de rouxinol.
NOIVA (forte) — Quer ficar quieta?
CRIADA — Mas menina! As bodas, o que são? As bodas são isso, e nada mais. São os doces. por acaso? São os ramos de flores? Não. É uma cama brilhando, um homem e uma mulher.
NOIVA — Não se deve falar nisso.
CRIADA — Bom, isso é outra coisa. Mas que é bem gostoso, é!
NOIVA — Ou bem amargo.
CRIADA — Vou pôr as flores de laranjeira daqui até aqui. para que a grinalda apareça mais no penteado. (Experimenta um ramo de flores de laranjeira.)
NOIVA (olha-se no espelho)
— Dê aqui. (Pega o ramo, olha-o e deixa cair a cabeça, abatida.)
CRIADA — Que foi, agora?
NOIVA — Me deixe.
CRIADA — Não é hora de ficar triste. (Animada) Me dê aqui esse ramo. (A Noiva joga-o fora) Menina! Quer chamar desgraça, jogando a grinalda no chão? Levante essa cara! Não quer se casar, é isso? Então fale. Ainda é tempo de se arrepender. (Levanta-se.)
NOIVA — São nuvens. Um mal-estar aqui dentro, quem nunca sentiu?
CRIADA — Você gosta do seu noivo.
NOIVA — Gosto.
CRIADA — Gosta, sim, que eu sei.
NOIVA — Mas este é um passo muito grande.
CRIADA — Que é preciso dar.
NOIVA — Já prometi.
CRIADA — Agora vou pôr a grinalda.
NOIVA (senta-se) — Ande depressa, que já devem estar chegando.
CRIADA — Já devem ter saído há duas horas, pelo menos.
NOIVA — Daqui até a igreja, é longe?
CRIADA — Cinco léguas pelo riacho; mas pelo caminho é o dobro. (A Noiva levanta-se e a Criada se entusiasma ao vê-la.) Despertem a noiva na manhã de suas bodas. Que os rios do mundo tragam a coroa!
NOIVA (sorrindo) — Vamos.
CRIADA (beija-a, entusiasmada, e dança ao seu redor)
— Que desperte com o ramo verde do azevinho em flor. Que desperte pelos ramos e flores dos azevinhos!
(ouvem-se pancadas fortes na porta.)
NOIVA — Vá abrir. Devem ser os primeiros convidados. (Sai.)
(A criada abre, surpresa.)
CRIADA — Você?
LEONARDO — Eu mesmo. Bom dia.
CRIADA — O primeiro!
LEONARDO — Não me convidaram?
CRIADA — É.
LEONARDO — Então eu vim.
CRIADA — E sua mulher?
LEONARDO — Vim a cavalo. Ela deve estar chegando pelo caminho.
CRIADA — Não encontrou ninguém?
LEONARDO — Passei por eles a cavalo.
CRIADA — Vai acabar matando o animal de tanta correria.
LEONARDO — Se morrer, morreu! (Pausa.)
CRIADA — Sente-se. Ninguém se levantou ainda.
LEONARDO — E a noiva?
CRIADA — Vou vesti-la daqui a pouco.
LEONARDO — A noiva! Deve estar contente!
CRIADA (mudando de assunto) — E o menino?
LEONARDO — Qual?
CRIADA — Seu filho.
LEONARDO (recordando, meio sonolento) — Ah!
CRIADA — Vem com a mãe?
LEONARDO — Não.
(Pausa. Vozes cantando, muito longe.)
VOZES — Despertem a noiva Na manhã de suas bodas!
LEONARDO — Despertem a noiva Na manhã de suas bodas!
CRIADA — São os convidados. Mas ainda estão longe.
LEONARDO (levantando-se) — A noiva vai usar uma grinalda bem grande, não é? Não devia ser tão grande. Uma pequena, assim, ficaria melhor. E o noivo, já trouxe as flores de laranjeira que ela deve pôr no peito?
NOIVA (aparecendo, ainda de anáguas e com a grinalda na cabeça) — Trouxe.
CRIADA (forte) — Não saia desse jeito.
NOIVA — Que é que tem? (Séria) Por que pergunta se trouxeram as flores de laranjeira? É com alguma intenção?
LEONARDO — Nenhuma.
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