(Cantarola novamente, enquanto se dirige para a mesa do lado direito)
Helmer
(do escritório) É a minha cotovia que está gorjeando aí fora?
Nora
(desamarrando animadamente os pacotes) É sim.
Helmer
Quem está saltitando aí é o meu esquilo?
Nora
É!
Helmer
E quando regressou o esquilinho?
Nora
Agora mesmo. (Guarda o saco de bolinhos de amêndoas no bolso e limpa a boca) Venha cá, Torvald, venha ver o que eu comprei.
Helmer
Estou ocupado. (Um momento após abre a porta e, de pena na mão, percorre a sala com a vista) Você diz que comprou tudo isso? Então a minha cabecinha de vento encontrou mais uma ocasião de esbanjar bastante dinheiro?
Nora
Mas, Torvald, este ano com certeza podemos gastar um pouco mais. É o primeiro Natal em que não somos obrigados a economizar.
Helmer
Concordo... mas não devemos ser pródigos, sabe?
Nora
Só um bocadinho, Torvald, um bocadiquinho. Ainda mais agora que você vai ter um grande salário e finalmente há de ganhar muito, muito dinheiro.
Helmer
A partir do Ano Novo, sim — mas ainda falta um trimestre para que eu receba.
Nora
E que tem isso? Até lá podemos pedir emprestado.
Helmer
Nora! (Aproxima-se dela e puxa-lhe uma orelha, brincando) Sempre com essa cabecinha nas nuvens! Suponha que eu peça hoje mil coroas e você gaste tudo com o Natal e, depois, na véspera do Ano Novo me caia uma telha na cabeça, e...
Nora
(tapando-lhe a boca com a mão) Psss! Não diga essas coisas horríveis!
Helmer
Mas suponha que aconteça algo desse tipo...
Nora
Se uma coisa terrível assim acontecesse... não sei se me importaria em ter dívidas ou não.
Helmer
E as pessoas para quem eu estivesse devendo?
Nora
Essas pessoas... quem é que pensa nelas? são estranhos.
Helmer
Nora, Nora! Só podia ser mulher! Falando sério, Nora; você conhece as minhas idéias a esse respeito. Nada de dívidas, nada de empréstimos! Algo como um constrangimento, um mal-estar sombrio se introduz em toda casa erigida sobre dívidas e empréstimos. Até hoje temos sabido nos equilibrar, e assim continuaremos durante o pouco tempo de provações que nos resta.
Nora
(aproximando-se da estufa) Está bem, Torvald; como você quiser.
Helmer
(seguindo-a) Então, então, não quero a minha cotoviazinha de asa caída. O esquilinho está amuado? (Abre a carteira) Nora, sabe o que tem aqui dentro?
Nora
(virando-se vivamente) Dinheiro!
Helmer
Tome. (Dá-lhe algumas notas) Compreendo que há muitas despesas numa casa, quando se está perto do Natal.
Nora
(contando) Dez, vinte, trinta, quarenta. Obrigada, Torvald, obrigada. Você vai ver o que isto rende.
Helmer
É preciso, mesmo.
Nora
Pode ficar certo disso. Mas venha cá. Vou lhe mostrar o que comprei, e tudo tão barato! Olhe, um roupa nova para Ivar e um sabre. Para Bob, um cavalo e uma cometa, e uma boneca com a sua caminha para Emmy. São muito simples, porque ela logo escangalha tudo. E esses aventais e lenços para as criadas... A babá na verdade merecia muito mais...
Helmer
E o que há neste pacote?
Nora
(dando um gritinho) Não toque nele, Torvald; este você só verá à noite.
Helmer
Bem, bem. Mas diga-me, minha perdulária, o que você mais gostaria de ganhar?
Nora
Oh, eu? Não quero nada para mim.
Helmer
Mas é claro que sim. Diga-me qualquer coisa razoável, que a tente.
Nora
Pois bem, verdadeiramente não sei. Ou antes, olhe, Torvald...
Helmer
Vamos lá...
Nora
(brincando com os botões do casaco, sem olhar para o marido) Se me quisesse dar qualquer coisa você podia... podia...
Helmer
Então...
Nora
(de um só fôlego) Podia me dar dinheiro, Torvald. Oh! Apenas aquilo de que você pudesse prescindir – e um dia desses eu iria comprar qualquer coisa para mim.
Helmer
Mas, Nora...
Nora
Sim, querido Torvald, sim, faça isso. Eu o embrulharia num lindo papel dourado para pendurá-lo na árvore de Natal. Você não acha graça?
Helmer
Como se chama o pássaro que está sempre fazendo o dinheiro voar?
Nora
Bem sei, bem sei; é o estorninho. Mas faça o que peço, Torvald; assim terei tempo de pensar em algum objeto realmente útil. Diga-me, não é sensato?
Helmer
(sorrindo) Seria, se você soubesse conservar o dinheiro que lhe dou, e na realidade comprar o que quer que fosse para você; mas se ele desaparece nas despesas da casa e em mil futilidades, o certo é que tenho de novo de desembolsar.
Nora
Ah, Torvald, mas...
Helmer
Não negue, minha querida Nora! (Abraça-a pela cintura) O estorninho é gracioso, mas exige tanto dinheiro!... Você não acreditaria se lhe dissesse quanto um homem tem de despender quando arruma uma ave canora como você.
Nora
Oh! não diga isso! Eu poupo o mais que posso.
Helmer
(rindo) Concordo.
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