O galopar do meu cavalo formava um único som, que ia

 

reboando pelas grutas e cavernas e confundia-se com o rumor

 

das torrentes.

 

As árvores, cercadas de névoa, fugiam diante de mim co-

 

mo fantasmas; o chão desaparecia sob os pés do animal; às

 

vezes parecia-me que a terra ia faltar-me e que o cavalo e ca-

 

valeiro rolavam por algum desses abismos imensos e profun-

 

dos, que devem ter servido de túmulos titânicos.

 

Mas, de repente, entre uma aberta de nevoeiro, eu via a

 

linha azulada do mar e fechava os olhos e atirava-me sobre o

 

meu cavalo, gritando-lhe ao ouvido a palavra de Byron: --

 

Away!

 

Ele parecia entender-me e precipitava essa corrida deses-

 

perada; não galopava, voava; seus pés, como impelidos por

 

quatro molas de aço, nem tocavam a terra.

 

Assim, minha prima, devorando o espaço e a distância,

 

foi ele, o nobre animal, abater-se a alguns passos apenas da

 

praia; a coragem e as forças só o tinham abandonado com a

 

vida e no termo da viagem.

 

Em pé, ainda sobre o cadáver desse companheiro leal, via

 

a coisa de uma milha o vapor que singrava ligeiramente para

 

a cidade.

 

Aí fiquei, perto de uma hora, seguindo com os olhos essa

 

barca que a conduzia; e quando o casco desapareceu, olhei os

 

frocos de fumaça do vapor, que se enovelaram no ar e que o

 

vento desfazia a pouco e pouco.

 

Por fim, quando tudo desapareceu e que nada me falava

 

dela, olhei ainda o mar por onde havia passado e o horizonte

 

que a ocultava aos meus olhos.

 

O sol dardejava raios de fogo; mas eu nem me importava

 

com o sol; todo o meu espírito e os meus sentidos se concen-

 

travam em um único pensamento; vê-la, vê-la em uma hora,

 

em um momento, se possível fosse.

 

Um velho pescador arrastava nesse momento a sua canoa

 

à praia.

 

Aproximei-me e disse-lhe :

 

-- Meu amigo, preciso ir à cidade, perdi a barca e dese-

 

java que você me conduzisse na sua canoa.

 

-- Mas se eu agora mesmo é que chego!

 

-- Não importa; pagarei o seu trabalho, também o incê-

 

modo que isto lhe causa.

 

-- Não posso, não, senhor, não é lá pela paga que eu digo

 

que estou chegando; mas é que passar a noite no mar sem

 

dormir não é lá das melhores coisas; e estou caindo de sono.

 

-- Escute, meu amigo...

 

-- Não se canse, senhor; quando eu digo não, é não; e

 

está dito.

 

E o velho continuou a arrastar a sua canoa.

 

-- Bem, não falemos mais nisto; mas conversemos.

 

-- Lá isto como o senhor quiser.

 

-- A sua pesca rende-lhe bastante?

 

-- Qual! rende nada!...

 

-- Ora diga-me! Se houvesse um meio de fazer-lhe ga-

 

nhar em um só dia o que pode ganhar em um mês, não enjei-

 

taria decerto?

 

-- Isto é coisa que se pergunte?

 

-- Quando mesmo fosse preciso embarcar depois de pas-

 

sar uma noite em claro no mar?

 

-- Ainda que devesse remar três dias com três noites, sem

 

dormir nem comer.

 

-- Nesse caso, meu amigo, prepare-se, que vai ganhar o

 

seu mês de pescaria; leve-me à cidade.

 

-- Ah! isto já é outro falar ; por que não disse logo?...

 

-- Era preciso explicar-me?!

 

-- Bem diz o ditado que é falando que a gente se entende.

 

-- Assim, é negócio decidido. Vamos embarcar?

 

-- Com licença; preciso de um instantinho para prevenir

 

a mulher ; mas é um passo lá e outro cá.

 

-- Olhe, não se demore ; tenho muita pressa.

 

-- É em um fechar de olhos, disse ele, correndo na dire-

 

ção da vila.

 

Mal tinha feito vinte passos, parou, hesitou, e por fim

 

voltou lentamente pelo mesmo caminho.

 

Eu tremia; julgava que se tinha arrependido, que vinha

 

apresentar-me alguma nova dificuldade. Chegou-se para mim

 

de olhos baixos e coçando a cabeça.

 

-- O que temos, meu amigo? perguntei-lhe com uma voz

 

que esforçava por ter calma.