Hoje, por exemplo, tinha uma imensa vontade de chorar.” — Chore, é uma questão de nervos. Ficará de certo aliviada.” — “Mas não é isso, não é isso, homem!” — “Se a menina continua a gritar, participo-lhe que vou embora.” —“Não, meu amigo, perdoe. É que eu estou tão nervosa! tanto! tanto... Queria que me desse um conselho. — “Para que?” — “Para aliviar-me.” — “É difícil. Você sofre de um mal comum, a surmenage{46} do artifício. Eu podia dizer-lhe: recolha-se a um convento. Mas pareceria brincadeira e talvez viesse a morrer mística, a conversar com os anjos, como Swedenborg{47}. Conheci algumas que acabaram assim. Podia também, se fosse um idiota, aconselhar a vida honesta. Mas isso seria impossível porque o pesar de ter saído desta em que o desperdício é a norma, a saudade e as lembrança deixá-la-iam amargurada. Depois não tem recursos e teria sempre que pôr em circulação o seu lindo capital.” — “Barão, por quem é, fale-me sinceramente.” —“Então, minha filha, aconselho uma paixão ou um excesso, um belo rapaz ou uma extravagância.” —. “Nesta roda não há belos rapazes.” — “De acordo, há quando muito velhos recém-nascidos. Mas é recorrer à multidão, passar uma noite percorrendo os bairros pobres, experimentar. Ou então, minha cara, um grande excesso : champanhe, éter ou morfina...” Voltei-me para a sala. Num camarote fronteiro a Elisa olhava com os seus dois olhos de morta. “E se não a repugna muito uma grande mestra dos paraísos artificiais, a Elisa”. — “Não fale alto, que ela percebe.” — “Então já a sabia lá?”. — Corri-a ontem do meu quarto. É um demônio.”— “Mas você precisa de um demônio.” — “O que ela faz...” — “Já sei, toda a gente faz. Mas naturalmente ela é excepcional.” — “Barão, vá embora.” — “Adeus, minha querida.” Quando dei a volta para falar a Elisa, já esta deixara vazio o camarote.
— E então, como morreu a linda criatura?
— Aceitando o meu conselho. A sua morte pertence ao mistério do quarto, mas devia ser horrível. Elsa partiu do music-hall diretamente para casa, pretextando ao banqueiro que lhe ia pôr um pequeno palácio, a forte dor de cabeça — a clássica migraine{48} das cocottes enfaradas ou excedidas E apareceu na ceia da pensão como uma louca, a mandar abrir champanhe por conta própria. Quando por volta de uma hora apareceu a figura de larva{49} da Elisa, deu um pulo da cadeira, agarrou-lhe o pulso : “Vem; tu hoje és minha!” Houve uma grande gargalhada. Essas damas e mais esses cavalheiros tinham uma grande complacência com a Elisa, e aquela vitória excitava-os. Elisa molemente sentou-se ao lado da Elsa, que bebia mais champanhe, sentia afrontações e torcia os dedos da apaixonada por baixo da mesa. Era o desespero. Mimi Gonzaga assegurou-me que ela recebera uma carta da mãe logo pela manhã. No fim, Elsa, pálida e ardente, dizia: “Viens, mon cheri, que je te baise!” e mordia raivosamente o pescoço da Elisa. Via-se a repugnância, a raiva com que ela fazia a cena de Lesbos — pobre rapariga sem inversões e estetismos à Safo{50}...
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