Ao ver-me, disse amavelmente
— Estamos a jogar. O Osvaldo ganha como um inglês e com a alucinação de um brasileiro. Estou perdendo e apreciando este bom Osvaldo, que ainda tem emoções.
Os seus olhares seguiam, frios e argutos, o jogo do bom Osvaldo, e, a cada cartada, tamborilando os dedos na mesa, Belfort sorria um sorriso mau, entre desconfiado e satisfeito. De repente, porém, as pupilas acenderam-se-lhe. Pôs as duas mãos nervosas na mesa, e perguntou, enquanto mais pálido o moço estacava:
— E tu não jogas?
— Não.
— Fazes bem. Um escritor do tempo de Balzac dizia que o jogo era para a mocidade o veneno da perdição. O veneno! ora vê tu, o veneno!
Sorriu com delicadeza.
— O Osvaldo permite? Vou embora sem mais um real. Até amanhã. E não deixe de tomar água de flor de laranja...
Levantou-se, mirou as unhas brunidas, mirou a gravata, e saiu, deixando o jovem só naquele salão que o pleno verão tornara deserto. Acompanhei-o, não sem olhar para traz. O moço pendia a cabeça na sombra, e assim pálido, com um pálido crisântemo, os seus olhos tinham chispas de susto e de prazer.
Embaixo, no vestiário, o barão deixou que lhe enfiassem o paletó, mandou chamar o coupé{9}, e partimos discretamente, sob a tarde luminosa e cor de pérola. Belfort aconchegou-se à almofada de cetim malva, acendeu uma cigarrilha do Egito com o seu monograma em ouro, e, enquanto o carro rodava, indagou:
— Que tal achaste o Osvaldo? É o meu estudo agora. Havia meia hora que me roubava escandalosamente... Não lhe disse nada. Ainda é possível salva-lo...
— Quer perde-lo? indaguei habituado ás excentricidades desse álgido ser.
— Oh! não, quero gozá-lo. Tu sabes, o homem é um animal que gosta. O gosto é que varia. Eu gosto de ver as emoções alheias, não chego a ser o bisbilhoteiro das taras do próximo, mas sou o gozador das grandes emoções de em torno. Ver sentir, forçar as paixões, os delírios, os paroxismos sentimentais dos outros é a mais delicada das observações e a mais fina emoção.
— Oh! ser horrível e macabro!
— Seja; horrível, macabro, mas delicado. É por isso que eu não quero perder o Osvaldo, quero apenas gozá-lo. Preciso não limitar a minha ação humana aos passeios pelo Oriente, às coleções autênticas e a alguns deboches nos restaurantes de grão tom. Mas daí a perde-lo, c’est trop fort...
— Pois não imagina o mal que fez ao pobre Osvaldo. O rapaz estava horrivelmente pálido!
— Tal qual como o outro. Que exemplar, meu caro! Que caso admirável! Esse pequeno há seis meses odiava o víspora{10}. Hoje tem a voracidade de ganhar, e tamanha que já rouba. Amanhã arde, queima, rebenta numa banca de jogo. Ah! o jogo! É o único instinto de perdição que ainda desencadeia tempestades nos nervos da humanidade. O Osvaldinho é tal qual o outro, o Chinês, a minha última observação.
— O Chinês?
Belfort soprou o fumo da cigarrilha, sorrindo.
— Imagina que vai para um ano fui apresentado a um rapaz chamado Praxedes, filho de uma chinesa e de um negociante português em Macau. O homem falava inglês, estava no comércio, e vinha de Xangai, com um carregamento de poterias e bronzes por contrabando, para vender. Simpatizei com ele.
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