Por favor, Mammy, e eu ficarei aqui até papai chegar.

— Pela sua voz acho que vosmecê tá pegano um resfriado — disse Mammy, desconfiada.

— Mas não estou — disse Scarlett, impaciente — Vá pegar meu xale.

Mammy saiu gingando de volta ao vestíbulo e Scarlett a ouviu chamando baixinho pela escadaria a criada lá em cima.

— Ocê, Rosa! Me joga o xale da sinhazinha Scarlett. — Depois, mais alto. — Nêga desapiedada! Nunca tá onde pode ajudá os otro. Agora, eu merma tenho que subi lá.

Scarlett ouviu as escadas gemerem e se levantou de mansinho. Quando Mammy retornasse, continuaria o sermão sobre sua falta de hospitalidade, e ela sentiu que não aguentaria conversar sobre uma questão tão trivial com o coração partido. Enquanto se levantava, hesitante, cogitando onde poderia se esconder até que a dor em seu peito se amainasse um pouco, lhe veio uma ideia, trazendo um pequeno raio de esperança. Naquela tarde, seu pai fora até Twelve Oaks, a fazenda dos Wilkes, para propor a compra de Dilcey, a avantajada esposa de Pork, o mordomo e seu criado pessoal. Dilcey era governanta e parteira em Twelve Oaks e, desde o casamento, seis meses atrás, Pork tinha atormentado seu senhor dia e noite para que a comprasse e os dois pudessem morar na mesma fazenda. Naquela tarde, Gerald, minguado em sua resistência, saíra para fazer uma oferta por Dilcey.

“Certamente,” pensou Scarlett, “papai vai saber se essa história horrível é verdadeira. Mesmo que ele não tenha ouvido falar nada hoje à tarde, talvez tenha percebido algo, sentido algum entusiasmo na família Wilkes. Se eu simplesmente puder falar com ele em particular antes do jantar, talvez descubra que tudo não passa de uma das brincadeiras de mau gosto dos gêmeos”.

Era hora de Gerald voltar e, se ela quisesse vê-lo a sós, nada havia a fazer além de ir até onde o caminho da fazenda encontrava a estrada. Ela desceu de mansinho as escadas da frente, olhando cuidadosa para cima para ter certeza de que Mammy não a observava das janelas. Não tendo visto um rosto negro redondo com um turbante branco como a neve espiando com ar de reprovação entre as cortinas, ela suspendeu resolutamente as saias verdes floridas e correu pela alameda rumo à entrada com a maior velocidade que lhe permitiam as sapatilhas fechadas com laços de fita.

Os cedros escuros que ladeavam o caminho de cascalho se encontravam em um arco lá em cima, transformando a longa alameda em um túnel sombrio. Assim que se viu sob os braços retorcidos das árvores, ela soube que estava a salvo da observação da casa e diminuiu o passo. Estava ofegante, pois seu espartilho era apertado demais para permitir corridas longas, mas continuou caminhando o mais rápido que podia. Logo, estava junto à estrada principal, mas não parou até fazer uma curva que interpunha um arvoredo entre ela e a casa.

Corada e respirando com dificuldade, Scarlett se sentou em um cepo à espera do pai. Já passava da hora de sua chegada, mas ela ficou contente com o atraso. Isso lhe daria tempo de aquietar a respiração e acalmar a fisionomia, de modo a não levantar suspeitas. A qualquer momento ela esperava ouvir o ruído dos cascos do cavalo e enxergá-lo subindo a colina em sua usual velocidade vertiginosa. Mas os minutos passavam e Gerald não vinha. Ela olhou ao longo da estrada, a dor em seu peito se inflamando outra vez.

“Ah, não pode ser!”, pensou. “Por que ele não chega?”

Seus olhos seguiram a estrada sinuosa, vermelha como o sangue depois da chuva da manhã. Em pensamento, rastreou seu curso colina abaixo até o indolente rio Flint, pelo complicado leito pantanoso, e sobre da próxima colina até Twelve Oaks, onde Ashley morava. Isso era tudo o que a estrada significava agora: um caminho até Ashley e a linda casa de colunas brancas que coroava a colina como um templo grego.

“Oh, Ashley! Ashley!”, pensava ela, e seu coração batia mais forte.

Parte da fria sensação de atordoamento e desgraça que lhe pesava desde que os rapazes Tarleton haviam contado o mexerico tinha recuado para o fundo de sua mente, e no lugar insinuava-se uma febre que a possuía havia dois anos.

Agora parecia estranho que, quando ela estava crescendo, Ashley nunca lhe tivesse parecido tão atraente. Durante a infância, ela o via ir e vir e nunca lhe reservara um pensamento. Mas, desde aquele dia, dois anos antes, quando, recém-chegado de seus três anos de Grand Tour pela Europa, ele fora lhes fazer uma visita de cortesia, ela se apaixonara. Era simples assim.

Ela estava na varanda da frente e ele chegara a cavalo pela longa alameda, vestido com um traje cinza de casimira e uma gravata preta larga que combinava perfeitamente com o pregueado da camisa. Mesmo agora, ela conseguia se lembrar de cada detalhe da roupa, o brilho das botas, uma cabeça de Medusa em um camafeu no alfinete da gravata, o chapéu-panamá de abas largas que fora parar instantaneamente em suas mãos quando ele a vira. Ele tinha apeado, jogado as rédeas para um negrinho que estava por perto e ficado olhando para ela, os olhos cinzentos sonhadores, então alargados por um sorriso, e o sol tão brilhante em seus cabelos louros que os fazia parecer um barrete de prata cintilante. E disse:

— Como você cresceu, Scarlett.

Subindo os degraus com leveza, ele beijara sua mão.