Por fim, tocaram-me lá do centro. "Já que está velha e inútil, que fica fazendo aqui?", disseram-me. "Mude-se para os subúrbios dos Arcaísmos", e eu tive de mudar-me para cá.

— Por que não morre duma vez para ir descansar no cemitério?

— perguntou Emília com todo o estabanamento.

— É que, de quando em quando, ainda sirvo aos homens. Existem certos sujeitos que, por esporte, gostam de escrever à moda antiga; e quando um deles se mete a fazer romance histórico, ou conto em estilo do século XV, ainda me chama para figurar nos diálogos, em vez do tal Francamente que tomou o meu lugar.

— Aqui o nosso Visconde pela-se por coisas antigas — disse a menina. — Conte-lhe toda a sua vida, desde que nasceu.

O Visconde sentou-se ao lado da palavra Bofé e ferrou na prosa, enquanto Narizinho ia conversar com outra palavra ainda mais coroca.

— E a senhora, quem é? — perguntou-lhe.

— Sou a palavra Ogano.

— Ogano? O que quer dizer isso?

— Nem queira saber, menina! Sou uma palavra que já perdeu até a memória da vida passada. Apenas me lembro que vim do latim Hoc Anno, que significa Este Ano. Entrei nesta cidade quando só havia uns começos de rua; os homens desse tempo usavam-me para dizer Este Ano. Depois fui sendo esquecida, e hoje ninguém se lembra de mim. A Senhora Bofé é mais feliz; os escrevedores de romances históricos ainda a chamam de longe em longe. Mas a mim ninguém, absolutamente ninguém, me chama. Já sou mais que Arcaísmo; sou simplesmente uma palavra morta. . .

Narizinho ia dizer-lhe uma frase de consolação quando foi interrompida por um bando de palavras jovens, que vinham fazendo grande barulho.

— Essas que aí vêm são o oposto dos Arcaísmos — disse Quindim. — São os NEOLOGISMOS, isto é, palavras novíssimas, recémsaídas da fôrma.

— E moram também nestes subúrbios de velhas?

— Em matéria de palavras a muita mocidade é tão defeito como a muita velhice. O Neologismo tem de envelhecer um bocado antes que receba autorização para residir no centro da cidade. Estes cá andam em prova. Se resistirem, se não morrerem de sarampo ou coqueluche e se os homens virem que eles prestam bons serviços, então igualam-se a todas as outras palavras da língua e podem morar nos bairros decentes. Enquanto isso ficam soltos pela cidade, como vagabundos, ora aqui, ora ali.

Estavam naquele grupo de Neologismos diversos que os meninos já conheciam, como Chutar, que é dar um pontapé; Bilontra, que quer dizer um malandro elegante; Encrenca, que significa embrulhada, mixórdia, coisa difícil de resolver.

— Outro dia vovó disse que esta palavra Encrenca é a mais expressiva e útil que ela conhece, de todas que nasceram no Brasil —

lembrou Pedrinho.