Santos pensou em fazer sobre isso uma consulta espírita. Começava a ser iniciado nessa religião, e tinha a fé noviça e firme. Mas a mulher opôs-se; a consultar alguém, antes a cabocla do Castelo, a adivinha célebre do tempo, que descobria as coisas perdidas e predizia as futuras. Entretanto, recusava também, por desnecessário. A que vinha consultar sobre uma dúvida, que dali a meses estaria esclarecida? Santos achou, em relação à cabocla, que seria imitar as crendices da gente reles; mas a cunhada acudiu que não, e citou um caso recente de pessoa distinta, um juiz municipal, cuja nomeação foi anunciada pela cabocla.

— Talvez o ministro da justiça goste da cabocla, explicou Santos.

As duas riram da graça, e assim se fechou uma vez o capítulo da adivinha, para se abrir mais tarde. Por agora é deixar que o feto se desenvolva, a criança se agite e se atire, como impaciente de nascer. Em verdade, a mãe padeceu muito durante a gestação, e principalmente nas últimas semanas. Cuidava trazer um general que iniciava a campanha da vida, a não ser um casal que aprendia a desamar de véspera.

 

 

Capítulo VIII
Nem casal, nem general

 

Nem casal, nem general. No dia 7 de abril de 1870 veio à luz um par de varões tão iguais, que antes pareciam a sombra um do outro, se não era simplesmente a impressão do olho, que via dobrado.

Tudo esperavam, menos os dois gêmeos, e nem por ser o espanto grande, foi menor o amor. Entende-se isto sem ser preciso insistir, assim como se entende que a mãe desse aos dois filhos aquele pão inteiro e dividido do poeta;15 eu acrescento que o pai fazia a mesma coisa. Viveu os primeiros tempos a contemplar os meninos, a compará-los, a medi-los, a pesá-los. Tinham o mesmo peso e cresciam por igual medida. A mudança ia-se fazendo por um só teor. O rosto comprido, cabelos castanhos, dedos finos e tais que, cruzados os da mão direita de um com os da esquerda de outro, não se podia saber que eram de duas pessoas. Viriam a ter gênio diferente, mas por ora eram os mesmos estranhões. Começaram a sorrir no mesmo dia. O mesmo dia os viu batizar.

Antes do parto, tinham combinado em dar o nome do pai ou da mãe, segundo fosse o sexo da criança. Sendo um par de rapazes, e não havendo a forma masculina do nome materno, não quis o pai que figurasse só o dele, e meteram-se a catar outros. A mãe propunha franceses ou ingleses, conforme os romances que lia. Algumas novelas russas em moda sugeriram nomes eslavos. O pai aceitava uns e outros, mas consultava a terceiros, e não acertava com opinião definitiva. Geralmente, os consultados trariam outro nome, que não era aceito em casa. Também veio a antiga onomástica lusitana, mas sem melhor fortuna. Um dia, estando Perpétua à missa, rezou o Credo, advertiu nas palavras: “… os santos apóstolos S. Pedro e S. Paulo”, e mal pôde acabar a oração. Tinha descoberto os nomes; eram simples e gêmeos. Os pais concordaram com ela e a pendência acabou.

A alegria de Perpétua foi quase tamanha como a do pai e da mãe, se não maior. Maior não foi, nem tão profunda, mas foi grande, ainda que rápida. O achado dos nomes valia quase que pela feitura das crianças.