On ne prête qu’aux riches,17 acrescentou rindo. O marido, que estivera na véspera com um desembargador, repetiu as palavras dele que “enquanto a polícia não pusesse cobro ao escândalo…” O desembargador não concluíra. Santos concluiu com um gesto vago.

— Mas você é espírita, ponderou a mulher.

— Perdão, não confundamos, replicou ele com gravidade.

Sim, podia consentir numa consulta espírita; já pensara nela. Algum espírito podia dizer-lhe a verdade em vez de uma adivinha de farsa… Natividade defendeu a cabocla. Pessoas da sociedade falavam dela a sério. Não queria confessar ainda que tinha fé, mas tinha. Recusando ir outrora, foi naturalmente a insuficiência do motivo que lhe deu a força negativa. Que importava saber o sexo do filho? Conhecer o destino dos dois era mais imperioso e útil. Velhas ideias que lhe incutiram em criança vinham agora emergindo do cérebro e descendo ao coração. Imaginava ir com os pequenos ao morro do Castelo, a título de passeio… Para quê? Para confirmá-la na esperança de que seriam grandes homens. Não lhe passara pela cabeça a predição contrária. Talvez a leitora, no mesmo caso, ficasse aguardando o destino; mas a leitora, além de não crer (nem todos creem) pode ser que não conte mais de vinte a vinte e dois anos de idade, e terá a paciência de esperar. Natividade, de si para si, confessava os trinta e um, e temia não ver a grandeza dos filhos. Podia ser que a visse, pois também se morre velha, e alguma vez de velhice, mas acaso teria o mesmo gosto?

Ao serão, a matéria da palestra foi a cabocla do Castelo, por iniciativa de Santos, que repetia as opiniões da véspera e do jantar. Das visitas algumas contavam o que ouviam dela. Natividade não dormiu aquela noite sem obter do marido que a deixasse ir com a irmã à cabocla. Não se perdia nada; bastava levar os retratos dos meninos e um pouco dos cabelos. As amas não saberiam nada da aventura.

No dia aprazado meteram-se as duas no carro, entre sete e oito horas, com pretexto de passeio, e lá se foram para a rua da Misericórdia. Sabes já que ali se apearam, entre a igreja de S. José e a Câmara dos deputados, e subiram aquela até à rua do Carmo, onde esta pega com a ladeira do Castelo. Indo a subir, hesitaram, mas a mãe era mãe, e já agora faltava pouco para ouvir o destino. Viste que subiram, que desceram, deram os dois mil-réis às almas, entraram no carro e voltaram para Botafogo.

 

 

Capítulo IX
Vista de palácio

 

No Catete, o coupé e uma vitória18 cruzaram-se e pararam a um tempo. Um homem saltou da vitória e caminhou para o coupé. Era o marido de Natividade, que ia agora para o escritório, um pouco mais tarde que de costume, por haver esperado a volta da mulher. Ia pensando nela e nos negócios da praça, nos meninos e na lei Rio Branco,19 então discutida na Câmara dos deputados; o banco era credor da lavoura. Também pensava na cabocla do Castelo e no que teria dito à mulher…

Ao passar pelo palácio Nova Friburgo,20 levantou os olhos para ele com o desejo do costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever os altos destinos que o palácio viria a ter na República; mas quem então previa nada? Quem prevê coisa nenhuma? Para Santos a questão era só possuí-lo, dar ali grandes festas únicas, celebradas nas gazetas, narradas na cidade entre amigos e inimigos, cheios de admiração, de rancor ou de inveja. Não pensava nas saudades que as matronas futuras contariam às suas netas, menos ainda nos livros de crônicas, escritos e impressos neste outro século. Santos não tinha a imaginação da posteridade. Via o presente e suas maravilhas.

Já lhe não bastava o que era. A casa de Botafogo, posto que bela, não era um palácio, e depois, não estava tão exposta como aqui no Catete, passagem obrigada de toda a gente, que olharia para as grandes janelas, as grandes portas, as grandes águias no alto, de asas abertas.