De envolta com elas veio pousar-lhe ao lado a figura de sua mãe; tornou a vê-la, tal qual se lhe fora dos braços, uma crua noite de outubro, quando ele contava dezoito anos de idade. A boa senhora morrera quase moça, — ainda bela, pelo menos, —

daquela beleza sem outono, cuja primavera tem duas estações.

Helena ergueu-se.

— Gostava dele? perguntou ela.

— Quem não gostaria dele?

— Tem razão. Era uma alma grande e nobre; eu adorava-o. Reconheceu-me; deu-me família e futuro; levantou-me aos olhos de todos e aos meus próprios. O resto depende de mim, do juízo que eu tiver, ou talvez da fortuna.

Esta última palavra saiu-lhe do coração como um suspiro. Depois de alguns segundos de silêncio, Helena enfiou o braço no do irmão e desceram à chácara. Fosse influência do lugar ou simples mobilidade de espírito, Helena tornou-se logo outra do que se revelara no gabinete do pai. Jovial, graciosa e travessa, perdera aquela gravidade quieta e senhora de si com que aparecera na sala de jantar; fez-se lépida e viva, como as andorinhas que antes, e ainda agora, esvoaçavam por meio das árvores e por cima da grama. A mudança causou certo espanto ao moço; mas ele a explicou de si para si, e em todo o caso não o impressionou mal.

Helena pareceu-lhe naquela ocasião, mais do que antes, o complemento da família. O que ali faltava era justamente o gorjeio, a graça, a travessura, um elemento que temperasse a Edições Costa Flosi

Helena,

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de Machado de Assis

austeridade da casa e lhe desse todas as feições necessárias ao lar doméstico. Helena era esse elemento complementar.

A excursão durou cerca de meia hora. D. Úrsula viu-os chegar, ao cabo desse tempo, familiares e amigos, como se houvessem sido criados juntos. As sobrancelhas grisalhas da boa senhora contraíram-se, e o lábio inferior recebeu uma dentada de despeito.

— Titia... disse Estácio jovialmente; minha irmã conhece já a casa toda e suas dependências. Resta somente que lhe mostremos o coração.

D. Úrsula sorriu, um sorriso amarelo e acanhado, que apagou nos olhos da moça a alegria que os tornava mais lindos. Mas foi breve a má impressão; Helena caminhou para a tia, e pegando-lhe nas mãos, perguntou com toda a doçura da voz:

— Não quererá mostrar-me o seu?

— Não vale a pena! respondeu D. Úrsula com afetada bonomia; coração de velha é casa arruinada.

— Pois as casas velhas consertam-se, replicou Helena sorrindo.

D. Úrsula sorriu também; desta vez porém, com expressão melhor.