Vestia um traje nativo, das classes mais pobres, e quando as irmãs o recolheram estava muito mal. Falava o chinês correntemente, o francês com a maior correção, e minha companheira de trem afirmou que, antes de saber qual a nacionalidade das freiras, também se dirigira a elas em inglês, com pronúncia puríssima. Disse-lhe que não me entrava na cabeça semelhante fenômeno e caçoei amavelmente com ela, pelo fato de ter descoberto uma pronúncia puríssima em língua que não conhecia. Pilheriamos sobre isto e outras coisas, e a conversa acabou por um convite que ela me fez para visitar a missão, se algum dia aparecesse por ali. Ora, naquele momento isso me parecia tão improvável como subir ao Everest, e quando o trem chegou a Chung-Kiang despedi-me com sincero pesar por ver terminar aquele encontro casual. E no entanto, voltei a Chung-Kiang poucas horas depois. É que o trem teve um desarranjo alguns quilômetros adiante, e foi com muita dificuldade que pôde voltar à estação, onde nos informaram de que não poderia chegar outra máquina antes de doze horas. É comum isso nos caminhos de ferro chineses. De modo que me vi constrangido a passar meio dia em Chung-Kiang e resolvi pegar na palavra a boa freira, fazendo uma visita à missão.

"Fui recebido cordialmente, ainda que não sem certa estranheza. A meu ver, uma das coisas mais difíceis para quem não é católico é compreender a facilidade com que um adepto dessa religião combina a rigidez oficial com uma largueza pessoal de vistas. Não é complicado isto? Seja como for, aquela gente da missão era muito amável. Ainda não fazia uma hora que estava lá e já me ofereciam uma refeição preparada para mim. Um jovem médico chinês era cristão sentou-se à mesa comigo para conversar, numa divertida mescla de francês e inglês. Mais tarde a madre superiora levou-me a ver o hospital, orgulho de todos ali. Mencionara-lhes a minha profissão de escritor, e eram tão ingênuos que ficaram alvoroçados à idéia de que eu podia incluí-los a todos num livro. Ao passo que eu percorria as camas, ia-me o doutor explicando os casos. Era tudo imaculado no hospital, que parecia muito bem dirigido. Já nem me lembrava do misterioso doente e sua refinada pronúncia inglesa, quando a madre mo apontou. Eu só via a parte posterior da cabeça do homem, que parecia adormecido. Alguém sugeriu a idéia de falar-lhe eu em inglês, e assim fiz, dizendo-lhe 'boa tarde'; foi a primeira palavra, não muito original, na verdade, que me veio à lembrança. O homem ergueu repentinamente a cabeça e respondeu: 'boa tarde'. De fato, falava com inflexão educada. Mas não tive tempo de me surpreender com isso, porque já o reconhecera apesar da barba, da aparência completamente mudada e do longo tempo que passara sem o ver. Era Conway. Tinha certeza de que era ele, e contudo, se tivesse refletido um momento, chegaria talvez à conclusão de que não podia ser. Felizmente, obedeci ao primeiro impulso. Chamei-o pelo nome, dizendo o meu, e, posto que me olhasse sem sinal algum de reconhecimento, convenci-me de que não me enganara. Vi-lhe aquela estranha e quase imperceptível contração dos músculos faciais, tão minha conhecida, e os mesmos olhos que, como costumávamos dizer em Balliol, eram mais do azul de Cambridge que do de Oxford. Além disso, ninguém podia enganar-se com aquele homem: quem o via uma vez ficava com as suas feições gravadas para sempre na memória. É claro que o médico e a madre superiora se mostraram muito interessados.