Jorge teve parte nas jornadas de Piribebuí e Campo Grande, não já na qualidade de capitão, mas na de major, cuja patente lhe foi concedida depois de Lomas Valentinas. No fim do ano estava tenente-coronel, comandava um batalhão e recebia os abraços de seu antigo comandante, contente de o ver sagrado herói.

Um acontecimento inesperado e desastroso veio ainda golpeá-lo cruelmente, logo depois de março de 1870, quando, acabada a guerra, estava ele em Assunção. Valéria falecera. Luís Garcia lhe deu essa triste notícia, que ele antes adivinhou do que leu, porque as últimas cartas já lhe faziam pressentir o lúgubre desenlace. Jorge adorava a mãe.

Se só a contragosto viera para a guerra, não é menos certo que esta o cobrira de louros, e que ele os quisera depositar no regaço de Valéria. O destino decidiu por outro modo, como se quisesse contrastar cada um de seus favores fazendo-lhe sangrar o coração.

No fim de outubro volveu ao Rio de Janeiro. Tinham passado quatro anos justos. Penetrando a barra e descortinando a cidade natal, Jorge comparava os tempos, as angústias e as esperanças da partida com a glória e o abatimento do regresso. Não se sentia feliz nem infeliz, mas nesse estado médio, que é a condição vulgar da vida humana. Comparava-se ao mar daquela manhã, nem borrascoso nem quieto, mas levemente empolado e crespo, tão prestes a adormecer de todo, como a crescer e arremessar-se à praia. Que aragem sonolenta ou que tufão destruidor, viria roçar por ele a asa invisível? Jorge não o perscrutou. Trazia os olhos no passado e no presente; deixou ao tempo os casos do futuro.

CAPÍTULO VI

Antes de irmos direito ao centro da ação, vejamos por que evolução do destino se operou o casamento de Estela.

Poucos poderiam supor, nos fins de 1866, que a campanha se protrairia ainda cerca de quatro anos. O cálculo do General Mitre, relativo aos três meses de Buenos Aires a Assunção, tinha já caído, é certo, no abismo das ilusões históricas. Proclamações são loterias; a fortuna as faz sublimes ou vãs. A do general argentino, que era já uma afirmação errada, exprimiu contudo, no seu tempo, a convicção dos três povos. Do primeiro embate com o inimigo, viu-se que a campanha seria rija e longa; a ilusão desfez-se; ficou a realidade, que nem por isso encaramos com rosto aflito. Não obstante, era difícil presumir, em outubro de 1866, que a guerra chegasse até março de 1870. Supunha-se que um esforço ingente bastaria a reparar Curupaiti, a derrubar Humaitá, a vencer o ditador, não nos três meses do General Mitre, mas em muito menos tempo do que viria a ser na realidade.

Isto posto, não admira que Valéria receasse a cada instante a terminação da guerra e a pronta volta do filho. Se tal coisa acontecesse, ela teria dado um golpe inútil, e o fogo podia renascer das cinzas mal apagadas. Valéria preferia as soluções radicais. Uma vez arredado o filho, viu a necessidade de aniquilar as últimas esperanças, e o mais seguro meio era casar Estela. Assim procedendo, satisfaria também a afeição que tinha à moça, afeição que nunca lhe diminuíra. Sabia que entre Estela e o pai havia contrastes morais de difícil conciliação. Cada um deles falava língua diferente, não podiam entender-se nunca, sobretudo (dizia ela consigo) na escolha de um consorte.

Dois meses depois do embarque de Jorge, Valéria mandou chamar o Sr. Antunes a Santa Teresa, onde tinha uma casa de verão. O recado foi escrito, circunstância que lhe deu certa solenidade. Nunca até então a viúva lhe escrevera. O Sr. Antunes leu e releu o bilhete, mostrou-o duas ou três vezes à filha, esteve tentado de mostrá-lo ao vizinho fronteiro. Enquanto se vestia, pô-lo sobre a mesa, lançando-lhe a furto os olhos, pesando-lhe de cor as expressões corteses, espremendo-as, dissecando-as.