Antunes abanou desanimado a cabeça.

— Não te entendo, filha! replicou ele. Hás de dizer o que é que queres ser neste mundo. Não és rica, nem menos que rica; não tens a menor esperança no futuro. Eu não te posso deixar nada, porque nada tenho. Há uma senhora que te estima, que te faz um benefício, e tu recebes isto como se fosse uma injúria.

A observação do pai chamou a filha à realidade da situação.

— Papai sabe que não sou de muito riso, disse ela; pode ficar certo de que me alegrou muito a notícia que me deu.

Não alegrou nada. Nunca lhe pesara tanto a fatalidade da posição. Depois do episódio da Tijuca, parecia-lhe aquele favor uma espécie de perdas e danos que a mãe de Jorge liberalmente lhe pagava, uma água virtuosa que lhe lavaria os lábios dos beijos que ela forcejava por extinguir, como lady Macbeth a sua mancha de sangue. Out, damned spot! Este era o seu conceito; esta era também a sua mágoa. A altivez com que procedera desde aquela manhã de algum modo lhe levantara o orgulho, que o ato inconsiderado de Jorge havia por um instante humilhado. Mas a ação da viúva, por mais espontânea que fosse, tinha aos olhos da moça a conseqüência de fazer decorrer o benefício da mesma origem da afronta. Estela não distinguia entre os bens da mãe e do filho. Era tudo a mesma bolsa; e dali é que lhe vinha o dote.

Com essa idéia opressiva entrou ela em casa da viúva, cuja recepção lhe desabafou o espírito do mais espesso de suas preocupações. Valeria beijou-a, com um gesto mais maternal que protetor. Nem lhe deixou concluir a frase de agradecimento; cortou-a com uma carícia; depois falou-lhe da beleza, das ocupações, de cem coisas alheias a objeto que as reunia, dissimulação generosa, que Estela compreendeu, porque também possuía o segredo dessas delicadezas morais.

Quinze ou vinte dias depois, Valéria interrogou diretamente Estela, e a resposta que obteve foi contrária a suas esperanças.

— Não amo ninguém, disse a moça; e provavelmente não amarei nunca.

—Por quê? replicou vivamente a viúva.

Estela sorriu.

— Podia dizer-lhe, respondeu ela, que não tenho coração...

— Seria mentir. Mas vais talvez dizer que um bom marido não e coisa fácil de achar.

— Isso.

— Tens razão até certo ponto. De todas as aves raras a mais rara é um bom marido; mas o que é raro não é impossível. Meteu-se-me em cabeça que hei de descobrir uma jóia. Se eu a encontrar, que farás tu?

— Aceito, disse a moça depois de um instante.

— Assim, não; não quero que a aceites sem vontade; hás de aceitá-la com amor... porque eu não creio que não tenhas coração; é faceirice de moça bonita. Deixa ver, — continuou a viúva colocando-lhe a mão no peito; — tens, oh! tens um coração que parece querer despedaçar-te o peito. Estela, tu estás doente!

— Que idéia! exclamou a moça rindo. Se eu vendo saúde! Não estou doente, estou comovida. Tratemos do noivo. Não me peça que o ame apaixonadamente, porque eu não nasci para isso. Minha natureza é fria. Mas um pouco de estima, certo interesse...

— Justo: a semente do amor. O tempo se encarregará de fazer a árvore.

Durante três meses não falaram do assunto. No fim desse tempo, tendo Valéria descido de Santa Teresa, Estela foi passar algumas semanas na Rua dos Inválidos. — Ainda nada? perguntou à viúva logo que a viu. — Coisa nenhuma, foi a resposta.