Era um deles o lucro. Mediante alguns anos de trabalho assíduo e finuras encobertas, viu engrossarem-lhe os cabedais. Em 1864, por um instituto verdadeiramente miraculoso, farejou a crise e o descalabro dos bancos, e retirou a tempo os fundos que tinha em um deles. Sobrevindo a guerra, atirou-se a toda a sorte de meios que pudessem tresdobrar-lhe as rendas, coisa que efetivamente alcançou no fim de 1869.
A não ser o segundo credo, é provável que Procópio Dias só liquidasse com a morte. Tendo chegado a uma posição sólida, aos cinqüenta anos, achou-se diante de outra riqueza, não inferior àquela que era o tempo. Ora, o segundo credo era o gozo. Para ele, a vida física era todo o destino da espécie humana. Nunca fora sórdido; desde as primeiras fases da vida, reservou para si a porção de gozo compatível com os meios da ocasião. Sua filosofia tinha dois pais: Luculo e Salomão, — não o Luculo general, nem o Salomão piedoso, mas só a parte sensual desses dois homens, porque o eterno feminino não o dominava menos que o eterno estômago. Entre os colegas de negócio foi sempre tido como um feliz vencedor de corações fracos. E, ao invés de outros, não punha nisso a menor vaidade ou gloríola; preferia a cautela e a obscuridade, não em atenção ao pudor público, mas porque era mais cômodo. Nenhuma diva mundana teria jamais a audácia de cortejá-lo na rua ou sorrir-lhe simplesmente; perdia o tempo e o sacerdote. Gozava para si, que é a perfeição sensual.
Não conhecia Jorge nem a vida nem o caráter do outro. Procópio Dias tinha o pior mérito que pode caber a um homem sem moral: era insinuante, afável, conversado; tinha certa viveza e graça. Era bom parceiro de rapazes e senhoras. Para os primeiros, quando eles o pediam, tinha a anedota crespa e o estilo vil; se lhes repugnava isso, usava de atavios diferentes. Com senhoras era o mais paciente dos homens, o mais serviçal, o mais buliçoso, — uma jóia.
— Ninguém o vê, — dizia ele daí a duas horas, à mesa do almoço de Jorge, na casa da Rua dos Inválidos. Não conheço os seus amigos de outro tempo, mas devo crer que todos lhe censuram essa vida de bicho-do-mato. — Nos teatros... nunca vai aos teatros?
— Quase nunca.
— Vamos hoje?
— Corruptor! disse Jorge sorrindo.
De noite foram ao teatro. Procópio Dias estava de veia; a palestra, a cena, o próprio tempo, tudo conspirou para dissipar as sombras de melancolia que a manhã acumulara na fronte de Jorge. — Não se deixe apodrecer na obscuridade, que é a mais fria das sepulturas, dizia Procópio Dias, à mesa de um hotel, onde fora cear. Jorge não comeu nada. Malgrado o prazer que achava em estar com ele, não quis aceitar-lhe o obséquio da ceia, apesar de lhe ter feito o do almoço. Procópio Dias percebeu isso mesmo, mas não se molestou; abaixou a cabeça, deixou passar essa onda de desconfiança e surgiu fora, a rir. Saíram dali uma hora depois. A evocação da Tijuca tinha-se esvaído.
Jorge deixou-se persuadir dos conselhos do outro. Abriu mão do último livro planeado, contentando-se com tê-lo vivido. Demais o tempo ia minando a antiga sensação, e a vida social tornava a prendê-lo em suas malhas.
Entre as pessoas que tornou a ver, figurava a mesma Eulália, com quem a mãe quisera casá-lo, alguns anos antes. Eulália não ficara solteira; estava na lua-de-mel, uma lua-de-mel que durava mais de um ano.
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