Raimundo conheceu-o, apesar de queimado do sol. Abriu-lhe a porta; acompanhou-o alegremente ao fundo do jardim.

— Meu senhor vai ficar muito contente, dizia ele fazendo-o entrar.

— Está melhor?

— Está, sim, senhor. Olhe, está ali.

Raimundo apontou para um grupo de pequenas árvores, através de cuja ramagem se descobriam vestidos de mulher. Jorge sentiu coar-lhe pelas veias uma onda de frio. Mas passou depressa; e deu o primeiro passo tão firme, como diante das legiões de López.

— Quem é, Raimundo? cantou uma voz desconhecida, no meio das árvores.

Jorge viu aparecer uma moça, que representava ter dezoito anos e não contava mais de dezesseis; reconheceu a filha de Luís Garcia. Ela não o reconheceu logo; os trabalhos da guerra tinham-no mudado. Demais, nas poucas vezes que o vira não lhe havia prestado muita atenção. Jorge foi conduzido até a cadeira onde se achava estirado Luís Garcia, entre duas outras, uma com um trabalho de agulha em cima, outra com um livro aberto. Luís Garcia recebeu-o com satisfação e cordialidade; Jorge explicou a demora da visita pelo fato de estar ausente. A explicação era uma cortesia nova; Luís Garcia agradeceu-lha.

— Estive muito prostrado, disse ele; não sei mesmo se cheguei às portas da morte. Agora estou quase bom.

Jorge sentara-se a um lado do convalescente, enquanto Iaiá, do outro lado, brincava com os cabelos do pai ou lhe apertava uma das mãos. Luís Garcia contou as peripécias da doença e exaltou a dedicação da família; Jorge falou pouco, já por evitar trair a comoção que sentia ao penetrar naquela casa, já por não prolongar a visita e podê-la terminar no primeiro intervalo de silêncio. No fim de quinze minutos levantou-se.

— Espere um pouco, disse o convalescente. Iaiá, vai chamar tua madrasta.

Iaiá levantou-se para obedecer à ordem do pai, mas no momento em que ia pousar nos joelhos deste o livro que tinha no regaço ouviu-se um passo na areia e logo depois esta súbita palavra:

— Pronto!

Era Estela. O sobressalto de Jorge, por mais imperceptível que fosse, não escapou a Iaiá, e fê-la sorrir à socapa; atribuiu-o ao susto. Estela apareceu; mas, porque já sabia da presença de Jorge, pôde encará-lo sem nenhuma aparente comoção. Houve certa hesitação entre um e outro, mas foi curta. A moça inclinou-se levemente e estendeu-lhe a mão. Jorge apertou-lha.

— Ainda não tinha tido a satisfação de a ver depois de minha volta do Paraguai, disse ele.

— É verdade, respondeu a moça; vivemos muito retirados.

Estela chegou-se ao marido, afastando-se Jorge para deixá-la passar. — Pronto, repetiu ela. Trazia-lhe um copo de geléia. Enquanto Luís Garcia tomava a refeição de convalescente, Estela ficou de pé, ao lado dele; depois sentou-se e dirigiu a palavra ao filho de Valéria. Naturalmente falou-lhe da campanha. Ele respondeu sem afetação e com tranqüilidade.

Já tive ocasião de lhe dizer que foi um dos heróis, interveio Luís Garcia olhando para a mulher; mas o Dr. Jorge teima em escurecer os seus próprios serviços. Iaiá não é a mesma coisa.

— Sim? perguntou Jorge.

— É verdade; durante toda a campanha matou pelo menos metade do exército paraguaio.

Iaiá lançou ao pai um olhar de graciosa censura.

— Não precisa corar, disse Jorge; era uma maneira de ser patriota; mas creia que havia menos perigo em matar o inimigo cá de longe.

— O senhor matou algum? perguntou Iaiá no fim de um instante.

— Provavelmente. Na guerra é preciso matar ou morrer. Não me importava morrer; mas há ocasiões em que o mais indiferente é um herói. Eu fiz o que pude.

Como a tarde começasse a escurecer, Estela disse ao marido que era tempo de recolher-se a casa. Ergueu-se para lhe dar o braço; Jorge porém apressou-se a substituí-la.