Livesey contou-nos então, resumidamente, o que tinha acontecido: soubera que Ben Gunn havia descoberto sozinho o tesouro e o desenterrara e transportara paro a gruta que lhe servia de refúgio. 0 médico, durante aquela tarde após o ataque dos piratas, fora ter com Ben Gunn e conseguira que este lhe revelasse o seu segredo. Na ma-nhã seguinte, tendo notado que a goleta desaparecera, pro-curara Silver e lhe entregara o mapa, já agora sem valor.

Conversando, chegamos à praia e entramos na gruta de Ben Gunn. Smollett descansava diante de uma fogueira e lá no fundo, frouxamente iluminadas pelo fogo, luziam enormes pilhas de moedas e filas de barras de ouro. Era o tesouro do capitão Flint!

No dia seguinte bem cedo nos pusemos a trabalhar, pois o transporte de tão grande quantidade de ouro num percur-so de cerca de uma milha por terra e de três por mar até à 27

“Espanhola” constituía, para o nosso reduzido grupo, uma tarefa extenuante. 0 trabalho foi executado normalmente.

Gray e Ben Gunn faziam o transporte no barco e os res-tantes, durante a sua ausência, amontoavam o ouro no praia.

Levamos alguns dias a empilhar o tesouro no porão. E, numa bela manhã, após termos embarcado uma boa provisão de água e tudo quanto havíamos solvo do nosso abastecimento de carne de cobra, levantamos âncora, não sem alguma dificuldade, e saímos do baía setentrional.

Em menos de meio dia de viagem vimos, com alegria indescritível, desaparecer para sempre no horizonte a mais alta montanha do ilha.

A equipagem do goleta era tão reduzida que todos a bordo tinham de fazer trabalho dobrado, exceto o capitão, que dava ordens deitado num colchão; é que, embora conva-lescente, necessitava de repouso. Como não podíamos ar-riscar-nos a uma viagem de regresso sem outros marinheiros, dirigimo-nos ao primeiro porto da América espa-nhola, aonde, chegamos extenuados, após termos nave-gado contra o vento.

Já o sol se punha, quando ancoramos numa linda baía bem protegida. Fomos então subitamente rodeados de barcos de negros, índios e mestiços, que vendiam frutos e legu-mes.

A vista de todos esse s rostos alegres, especialmente dos negros, a perfume dos frutos exóticas e, sobretudo, as luzes que brilhavam, na cidade logo nos fizeram esquecer a. permanência no ilha de sanguinolento memória.

0 médico e o cavaleiro me levaram consigo a passar a 28

noite em terra; travamos conhecimento com o comandante de uma unidade de guerra inglesa; conversamos com ele , acompanhamo-lo ao seu navio e as horas passaram tão alegremente que já era madrugado quando regressa-mos à “Espanhola”.

Ben Gunn estava sozinho na coberta. Vindo ao nosso encontro, informou-nos que, horas antes, Silver, que embarcara conosco na goleta, fugira num escaler com ajuda de um marinheiro: assim procedera, para poupar-nos as dificuldades que indubitavelmente nos acarretaria a permanência a bordo “do homem com uma perna só”; mas não fugira de mãos vazias: arrombara um tabique e se apode-rara de um soco de moedas no valor de quatrocentos guinéus, com as quais contava pôr em segurança a sua atormentada existência.

Creio que todos ficamos satisfeitíssimos de nos termos li-vrado dele por um preço tão baixo.

Enfim, para concluir a minha narrativa, direi que engajamos alguns marinheiros, que fizemos uma tranqüilo viagem de regresso e que a “Espanhola” chegou a Bristol a tempo de interromper os preparativos do Sr. Blanclly, amigo do cavaleiro, para uma eventual expedição de socorro. Da equipagem primitiva só estavam cinco homens.

0 tesouro foi repartido entre todos e cada qual o gostou corno quis.

0 capitão Smollett aposentou-se. Gray, não só economi-zou o dinheiro, mas também, desejoso de melhorar de situação, fez o curso de imediato, posto que passou a ocu-par num belo veleiro, de que se tornou também proprietá-

rio. Além disso, casou-se e teve filhos.

Ben Gunn recebeu cerca de mil esterlinos e gastou-os em 29

dezenove dias; arranjou então um emprego de porteiro e viveu tranqüilamente, tornando-se grande amigo das crianças do sua aldeia, de cujas brejeirices era freqüente víti-ma, e também cantor muito apreciado na igreja aos do-mingos e nos dias de festa.

De Silver nunca mais tivemos notícias.