Entrementes, Israel Hands mexeu-se e, vendo-me, falou-me com voz débil. Antes de mais nada, agradeceu-me por ter matado aquele maldito marinheiro.
Durante o resto do dia, os atacantes não deram mais sinal de vida e o tiroteio que vinha da mata parou completa-mente.
No fortim, jantamos em silêncio, depois do que o Dr. Livesey nos deixou para ir ter com Ben Gunn.
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Uma vez só, comecei a planejar a minha segunda fuga.
Enchi os bolsos de biscoitos, apoderei-me de um par de pistolas e, galgando a paliçada, dirigi-me para uma rocha branca onde sabia que Ben Gunn tinha escondido o seu tosco bote.
Ocultei-me à espera de que chegasse a noite e lancei-me à minha provisão de víveres. Por fim, quando a última claridade do dia desapareceu, arrastei para o mar o bote e comecei a remar.
Impelido pela maré, encontrei-me subitamente diante do navio e num instante as minhas mãos tocaram a amarra, retesado como a corda de um arco. Veio-me então uma idéia luminosa: se cortasse a amarra, a Espanhola ficaria à mercê das ondas. Assim fiz. Enquanto com a faca corta-va um a um os fios do cabo, ouvi um som confuso de vozes que vinham do camarote.
Cheio de curiosidade, esperei que o navio virasse de bordo, segurei-me a uma corda que pendia do castelo do popa e logo após vi o contramestre Israel Hands e um marinheiro irlandês lutando ferozmente, agarrados à gola um do outro. Horrorizado, deixei-me escorregar pelo amarra e voltei, agitadíssimo, a deitar-me no fundo da minha frágil embarcação. Adormeci.
Quando acordei, já era dia. Percebi que navegava na extre-midade sudoeste da ilha do tesouro. Permaneci no fundo do bote e não empunhei os remos: a velocíssima corrente me forçou a dar uma grande volta em torno da ilha e depois me levou para junto da Espanhola, que me pareceu irremediavelmente entregue a si mesma e ao sabor dos ondas. Abandonando o meu bote, subi para a goleta.
Na excitação das últimos manobras, eu havia-me esqueci-21
do de vigiar Hands. Quando me virei de repente, vi que o contramestre tinha o punho erguido e procurava agredir-me. Gritei, corri para o mastro grande, empunhei uma pistola e, enquanto Hands se precipitava de novo contra mim, apertei o gatilho. Infelizmente, a arma não detonou, porque a água do mar umedecera a carga. Irritado, apoiei for-temente a palma das mãos contra o mastro grande e fiquei no expectativa, com os nervos tensos. Israel veio até junto de mim; consegui fugir-lhe urna, duas, três vezes; mas um balanço do Espanhola nos fez cambalear e rolar no chão. Fui o primeiro a levantar-me e, rápido como um.
relâmpago, trepei à barra dos velas, onde pude finalmente tomar fôlego.
A minha rapidez salvou-me, pois, enquanto eu subia pelo cabo das velas, o punhal de Hands fendia o ar a poucos centímetros abaixo de mim; o pirata ficou boquiaberto, com o rosto voltado para cima, pasmado de assombro e de-cepção.
Aproveitando aquela trégua, apressei-me em carregar outra vez as duas pistolas e Hands, que seguia estupefato os meus menores movimentos, começou a compreender que a sorte se virara contra ele ; hesitante, pôs-se todavia a subir lento e penosamente pelos cabos acima, com o punhal entre os dentes.
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