E a ironia atravessa dois estádios: o estádio marcado por Sócrates, quando disse «sei só que nada sei», e o estádio marcado por Sanches, quando disse «nem sei se nada sei». O primeiro passo chega àquele
ponto em que duvidamos de nós dogmaticamente, e todo o homem superior o dá e atinge. O
segundo passo chega àquele ponto em que duvidamos de nós e da nossa dúvida, e poucos
homens o têm atingido na curta extensão já tão longa do tempo que, humanidade, temos visto o sol e a noite sobre a vária superfície da terra."
* * *
152.
"Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de
perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma
para suspender. Este livro é a minha cobardia."
* * *
155.
"Escrevo demorando-me nas palavras, como por montras onde não vejo, e são meios-sentidos, quase-expressões o que me fica, como cores de estofos que não vi o que são, harmonias
exibidas compostas de não sei que objectos. Escrevo embalando-me, como uma mãe louca a
um filho morto."
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