Encontro-me descrito (em parte) em vários romances como protagonista de vários enredos; mas o essencial da minha vida, como da minha alma, é não ser nunca protagonista."
"O cais, a tarde, a maresia entram todos, e entram juntos, na composição da minha angústia.
As flautas dos pastores impossíveis não são mais suaves que o não haver aqui flautas e isso lembrar-mas."
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110.
" Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até o rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito."
* * *
112.
" Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um
conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amos sexual buscamos um prazer nosso por
intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso
dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é objecto, mas, em exacta verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois «amo-te» ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma."
"É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar."
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113.
"Para o esteta, as tragédias são coisas interessantes de observar, mas incomodas de sofrer. O
próprio cultivo da imaginação é prejudicado pelo da vida. Reina quem não está entre os
vulgares.
Afinal, isto bem me contentaria se eu conseguissepersuadir-me que esta teoria não é o que é, um complexo barulho que faço aos ouvidos da minha inteligência, quase para ela não
perceber que, no fundo, não há senão a minha timidez, a minha incompetência para a vida."
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114.
ESTÉTICA DO ARTIFÍCIO
" A vida prejudica a expressão da vida. Se eu tivesse um grande amor nunca o poderia contar.
Eu próprio não sei se este eu, que vos exponho, por estas coleantes páginas fora, realmente existe ou é apenas um conceito estético e falso que fiz de mim próprio. Sim, é assim. Vivo-me esteticamente em outro.
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