Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que

universo? O universo não é meu: sou eu."

* * *

124.

"A ânsia de compreender, que para tantas almas nobres substitui a de agir, pertence à esfera da sensibilidade. Substitui a Inteligência à energia, quebrar o elo entre a vontade e a emoção, despindo de interesse todos os gestos da vida material, eis o que, conseguido, vale mais que a vida, tão difícil de possuir completa, e tão triste de possuir parcial.

Diziam os argonautas que navegar é preciso, mas que viver não é preciso. Argonautas, nós, da sensibilidade doentia, digamos que sentir é preciso, mas que não é preciso viver."

* * *

125.

"Arcaram os vossos argonautas com monstros e medos. Também, na viagem do meu

pensamento, tive monstros e medos com que arcar. No caminho para o abismo abstracto, que está no fundo das coisas, há horrores, que passar, que os homens do mundo não imaginam e medos que ter que a experiência humana não conhece; é mais humano talvez o cabo para o

lugar indefinido do mar comum do que a senda abstracta para o vácuo do mundo."

* * *

127.

"Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista,

entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me

parece melhor a minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos."

"Eu não sou pessimista, sou triste."

132.

"Omnia fui, nihil expedit - fui tudo, nada vale a pena."

* * *

133.

"Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras, são produtos da mesma força cega, operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes."

* * *

138.

"Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da

sensibilidade."

"Condillac começa o seu livro célebre, «Por mais alto que subamos e mais baixo que desçamos, nunca saímos das nossas sensações». Nunca desembarcamos de nós. Nunca

chegamos a outrem, senão outrando-nos pela imaginação sensível de nós mesmos. As

verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete

partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava é a que percorro e é a minha."

* * *

139.

"Há muito tempo que não escrevo. Têm passado meses sem que viva, e vou durando, entre o escritório e a fisiologia, numa estagnação íntima de pensar e de sentir. Isto, infelizmente, não repousa: no apodrecimento há fermentação."

* * *

144.

"É domingo e não tenho que fazer. Nem sonhar me apetece, de tão bem que está o dia. Gozo-o com uma sinceridade de sentidos a que a inteligência se abandona. Passeio como um caixeiro liberto. Sinto-me velho, só para ter o prazer de me sentir rejuvenescer."

* * *

148.