Uma verdadeira Branca de Neve, de olhos azuis, cabelos loiros encaracolados caindo pelos ombros; pálida e esbelta, portando-se sempre como uma jovem dama ciosa de suas maneiras. Quanto ao caráter das quatro irmãs, deixaremos que se revelem depois.
O relógio bateu seis horas; depois de varrer e limpar a lareira, Beth pôs um par de chinelos para aquecer. De certa forma, a visão daquelas pantufas velhas exerceu bom efeito sobre as meninas, pois a mãe estava para chegar e todas se alegravam em recebê-la. Meg parou com o sermão e acendeu o lampião, Amy se levantou da poltrona sem que pedissem, Jo esqueceu o cansaço e se ergueu para pôr os chinelos mais perto do fogo.
– Estão bem gastos. Mamãe precisa de um par novo.
– Pensei em comprar para ela com o meu dólar – disse Beth.
– Não, eu é que vou! – exclamou Amy.
– Sou a mais velha – começou Meg, mas Jo interrompeu falando decidida:
– Agora que papai está longe, sou o homem da casa e vou eu providenciar os chinelos, pois ele me falou para cuidar muito bem de mamãe enquanto estivesse fora.
– Vou dizer o que faremos – disse Beth –; cada uma compra algum presente de Natal para ela e não compramos nada para nós.
– Isso é bem coisa sua mesmo, querida! O que vamos comprar? – perguntou Jo.
Todas pensaram seriamente durante um minuto; então Meg anunciou, como se a ideia tivesse sido inspirada pela visão de suas lindas mãos:
– Eu vou dar um belo par de luvas.
– Coturnos, é a melhor coisa! – exclamou Jo.
– Alguns lenços, todos bordados – disse Beth.
– Vou comprar um frasquinho de água de colônia; ela gosta e não é muito caro, e assim sobra um pouco para comprar alguma coisa para mim – acrescentou Amy.
– Como vamos dar os presentes? – perguntou Meg.
– A gente põe em cima da mesa, trazemos mamãe e ficamos assistindo enquanto ela abre os pacotes. Lembram como costumávamos fazer em nossos aniversários? – respondeu Jo.
– Eu ficava sempre tão assustada na minha vez de sentar na cadeira com a coroa na cabeça, enquanto vocês me rodeavam para dar os presentes, com um beijo. Gostava das coisas e dos beijos, mas era horrível ter vocês ali me olhando enquanto eu abria os pacotes – disse Beth, que estava aquecendo ao mesmo tempo o rosto e o pão para o chá.
– Deixamos mamãe pensando que vamos comprar as coisas para nós mesmas, e aí fazemos uma surpresa. Temos de ir às compras amanhã à tarde, Meg; falta preparar muitas coisas para a peça da noite de Natal – disse Jo, marchando para cima e para baixo, com as mãos atrás das costas e o nariz empinado.
– Esta é a última vez que participo. Estou ficando velha demais para essas coisas – observou Meg, que para as brincadeiras de “se fantasiar” continuava infantil como sempre.
– Ah, eu sei que você não vai parar, enquanto puder desfilar num vestido comprido branco, de cabelo solto, e usar joias de papel dourado. Você é a melhor atriz que temos e, se abandonar o palco, vai ser o fim – disse Jo. – Precisamos ensaiar hoje à noite. Venha cá, Amy, você precisa treinar a cena do desmaio, pois está caindo tão dura que mais parece um atiçador.
– Não consigo evitar. Nunca vi ninguém desmaiar e não quero ficar toda roxa despencando no chão como você faz. Se eu conseguir amolecer aos poucos, vou descendo até o chão; se não conseguir, vou me soltar numa cadeira e manter a elegância; pouco me importa se Hugo está vindo com um revólver – respondeu Amy, que não era dotada de talento dramático, mas foi escolhida por ser pequena, e assim o vilão da peça conseguia carregá-la enquanto gritava.
– Faça o seguinte: agarre as mãos assim e cambaleie pela sala, gritando freneticamente: “Roderigo! Salve-me! Salve-me!” – e Jo se afastou, com um grito melodramático que era realmente comovente.
Amy obedeceu, mas esticou as mãos bem rígidas e foi andando aos solavancos como se fosse um boneco de mola, e seu “Oh!” nem parecia um grito de medo e angústia, e sim como se estivesse levando umas alfinetadas. Jo soltou um gemido de desespero e Meg caiu na risada, enquanto Beth, assistindo à brincadeira com interesse, deixava o pão queimar.
– Não adianta! Faça como der quando chegar a hora e, se o público começar a gritar, não ponha a culpa em mim. Vamos, Meg.
Então as coisas seguiram bem, pois Don Pedro desafiou o mundo num discurso de duas páginas sem uma pausa sequer; Hagar, a feiticeira, entoou um feitiço medonho sobre seu caldeirão de sapos em cozimento lento, com um efeito fascinante; Roderigo arrebentou masculamente suas correntes, e Hugo morreu entre as agonias do remorso e do arsênico, soltando um selvagem “Ha! Ha!”.
– É o melhor que já fizemos – disse Meg, enquanto o vilão morto se sentava e esfregava os cotovelos.
– Não sei como você consegue escrever e encenar coisas tão magníficas, Jo. É uma verdadeira Shakespeare! – exclamou Beth, que acreditava convictamente que as irmãs eram dotadas de um talento maravilhoso em tudo.
– Nem tanto – replicou Jo modestamente. – Acho mesmo que A maldição da feiticeira, uma tragédia operística é bem boazinha, mas gostaria de tentar Macbeth, se tivéssemos um alçapão para Banquo. Eu sempre quis fazer a cena do assassinato. “É um punhal que vejo diante de mim?” – murmurou Jo, revirando os olhos e agarrando o ar, como vira um famoso ator trágico fazer.
– Não, é o espeto de tostar, com o chinelo de mamãe em vez do pão. O feitiço do palco pegou Beth! – exclamou Meg, e o ensaio terminou numa explosão geral de risadas.
– Fico feliz que estejam tão alegres, minhas meninas – disse uma voz jovial à porta, e atores e espectadores se viraram para receber uma senhora robusta e maternal, com um ar de “em que posso ajudar?” que era realmente encantador. Não era especialmente bonita, mas as mães sempre parecem lindas para os filhos, e as meninas achavam que o manto cinzento e a touca antiquada recobriam a mulher mais maravilhosa do mundo.
– Bem, queridas, como passaram o dia? Havia tantas coisas para fazer, preparando as caixas para a remessa amanhã, que não vim jantar em casa. Apareceu alguém, Beth? Como está o resfriado, Meg? Jo, você parece morta de cansada. Venha me dar um beijo, menina.
Enquanto fazia tais interrogatórios maternos, a sra. March tirou as roupas úmidas, calçou os chinelos e, sentando-se na poltrona, puxou Amy para o colo, preparando-se para a hora mais feliz do seu dia atarefado. As meninas se alvoroçavam ao redor, tentando deixar tudo confortável, cada uma à sua maneira. Meg preparou a mesa do chá; Jo trouxe lenha e arrumou as cadeiras, virando, derrubando e batendo tudo o que tocava; Beth ia e vinha entre sala e cozinha, quieta e azafamada, enquanto Amy dava ordens a todas, sentada com as mãos cruzadas.
Quando estavam reunidas ao redor da mesa, a sra. March disse, com um ar especialmente feliz:
– Tenho um presente para vocês depois do jantar.
Um sorriso rápido e brilhante percorreu a mesa como um raio de sol. Beth bateu palmas, sem se importar com o biscoito quente que segurava, e Jo jogou o guardanapo para o alto, gritando:
– Uma carta! Uma carta! Três vivas para papai!
– Sim, uma linda e longa carta. Ele está bem, e crê que vai passar o inverno melhor do que temíamos.
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