Apareceu um livro de capa verde, com as mesmas ilustrações por dentro e umas palavras escritas pela mãe, o que tornava aquele único presente algo muito precioso para elas. Logo Beth e Amy acordaram, vasculharam e também encontraram seus livrinhos – um rosa-lilás, o outro azul; todas se sentaram, olhando e falando sobre eles, enquanto o leste se rosava ao raiar do dia.

Apesar de suas pequenas vaidades, Margareth tinha uma natureza doce e piedosa, que inconscientemente influenciava as irmãs, em especial Jo, que a amava com muita ternura e a obedecia, pois seus conselhos eram dados com grande gentileza.

– Meninas – disse Meg em voz séria, olhando por sobre a cabeça desgrenhada ao seu lado para as duas cabecinhas com touca de dormir, no quarto mais adiante –, mamãe quer que a gente leia, aprecie e reflita sobre o que está nesses livros, e devemos começar desde já. Sempre fomos cumpridoras nisso, mas, desde que papai partiu e todo esse problema da guerra nos perturbou, descuidamos de muitas coisas. Vocês façam como quiserem, mas eu vou deixar meu livro aqui na mesa e ler um pouco todas as manhãs, na hora em que acordar, pois sei que vai me fazer bem e me ajudará ao longo do dia.

Então ela abriu seu livro novo e começou a ler. Jo lhe pôs o braço em torno e, inclinando o rosto junto ao dela, também leu, com uma expressão tranquila que raramente se via em sua face inquieta.

– Como Meg é boa! Vamos, Amy, vamos fazer como elas. Eu te ajudo com as palavras difíceis, e elas nos explicam as coisas que não entendermos – cochichou Beth, muito impressionada com os belos livros e o exemplo das irmãs.

– Fico feliz que o meu seja azul – disse Amy, e então os aposentos ficaram em grande silêncio enquanto as páginas viravam suavemente e o sol de inverno se insinuava para tocar as cabeças brilhantes e os rostos sérios numa saudação de Natal.

– Onde está mamãe? – perguntou Meg meia hora mais tarde, quando ela e Jo correram para baixo para agradecer pelos presentes.

– Só os céus sabem. Uma pobre creatura veio esmoular e a mãe d’ocês saiu direto pra ver o que precisava. Nunca teve mulher igual a ela pra dar comida e bebida, roupa e lenha – respondeu Hannah, que vivia com a família desde que Meg nascera e era considerada mais como amiga do que como empregada.

– Ela vai voltar logo, imagino, então faça os bolinhos e deixe tudo preparado – disse Meg, verificando os presentes reunidos numa cesta e guardados debaixo do sofá, prontos para ser entregues na hora adequada. – Ora, onde está o frasco de colônia de Amy? – acrescentou ela, ao não ver o frasquinho.

– Ela pegou um minuto atrás e saiu com ele para pôr uma fita ou alguma miudeza assim – respondeu Jo, dançando pela sala para amaciar a rigidez inicial dos novos chinelos verde-oliva.

– Estão lindos meus lenços, não? Hannah lavou e passou para mim, e eu mesma marquei todos eles – disse Beth, olhando orgulhosamente para as letras um tanto irregulares que lhe tinham custado tanto trabalho.

– Essa menina! Ela pôs “Mãe” em vez de “M. March”. Que engraçado! – exclamou Jo, pegando um.

– Não está certo? Achei que era melhor assim, porque as iniciais de Meg são “M. M.”, e não quero que ninguém use a não ser mamãe – disse Beth, parecendo preocupada.

– Está bem, querida, e é uma ótima ideia, muito sensata também, pois assim ninguém vai se enganar. Ela vai gostar muito, tenho certeza – disse Meg com uma carranca para Jo e um sorriso para Beth.

– É mamãe; escondam o cesto, rápido! – exclamou Jo, quando a porta bateu e soaram passos no corredor.

Amy entrou apressada e ficou com ar um tanto envergonhado ao ver todas as irmãs esperando por ela.

– Onde você estava, e o que está escondendo atrás das costas? – perguntou Meg, surpresa ao ver, pelo manto e pelo capuz, que Amy, a preguiçosa, havia saído tão cedo.

– Não ria de mim, Jo, eu não queria que ninguém soubesse até chegar a hora. Só queria trocar o frasco pequeno por um grande, e gastei todo o meu dinheiro para trocar, e estou realmente tentando não ser mais egoísta.

Enquanto falava, Amy mostrou o frasco bonito que substituía o barato, e parecia tão sincera e humilde em seu pequeno esforço de esquecer de si mesma que Meg a abraçou na hora e Jo declarou que ela era “exemplar”, enquanto Beth corria até a janela e pegava sua rosa mais bonita para enfeitar o frasco majestoso.

– É que fiquei com vergonha do meu presente, depois de ler e falar sobre ser boa hoje de manhã, então corri até a esquina e troquei na hora que levantei; e estou tão feliz, pois o meu agora é o mais bonito.

Outra batida da porta de entrada mandou o cesto para debaixo do sofá e as meninas para a mesa, ansiosas pelo café da manhã.

– Feliz Natal, mamãe! Muitas felicidades! Agradecemos nossos livros; lemos um pouco e pretendemos ler todos os dias – exclamaram em coro.

– Feliz Natal, filhinhas! Estou feliz que já começaram e vão continuar. Mas quero dizer uma coisa antes de nos sentarmos. Não longe daqui vive uma pobre mulher com um filhinho recém-nascido. Há seis crianças amontoadas numa cama para não congelarem, porque não têm fogo. Lá não há nada para comer, e o menino mais velho veio me dizer que estão passando fome e frio. Minhas meninas, vocês darão seu desjejum a eles como presente de Natal?

Todas elas estavam com mais fome do que o normal, por ter esperado quase uma hora, e por um instante ninguém falou nada; mas apenas por um instante, pois Jo exclamou impetuosamente:

– Estou tão feliz que a senhora chegou antes de começarmos.

– Posso ir e ajudar a levar as coisas para as pobres criancinhas? – perguntou Beth ansiosa.

Eu levo o creme e os bolinhos – acrescentou Amy, heroicamente renunciando a seus itens preferidos.

Meg já estava cobrindo as panquecas de trigo sarraceno e empilhando as fatias de pão numa grande travessa.

– Eu sabia que vocês fariam isso – disse a sra. March, sorrindo como que satisfeita. – Venham todas vocês me ajudar e, ao voltarmos, nosso café da manhã será pão e leite, e compensaremos na hora do jantar.

Logo estavam prontas e a procissão saiu. Felizmente era cedo e elas foram pelas ruas laterais; assim pouca gente viu e ninguém riu do estranho cortejo.

Era um quartinho pobre, nu, miserável, com vidraças quebradas, sem fogo, lençóis esfarrapados, uma mãe doente, bebê chorando e um grupo de crianças pálidas e famintas aninhadas embaixo de uma manta velha, tentando se aquecer. Como os olhos grandes se arregalaram e os lábios roxos sorriram quando as meninas entraram!

Ach, mein Gott!1 Anjos bons vindo até nós! – disse a pobre mulher chorando de alegria.

– Anjos engraçados de capuz e luvas – disse Jo, e fez todos rirem.

Em poucos minutos, realmente parecia que espíritos bondosos haviam passado por lá. Hannah, que levara lenha, acendeu o fogo e tampou os vidros quebrados com chapéus velhos e seu próprio xale. A sra. March deu à mãe chá e mingau de aveia, reconfortando-a com promessas de auxílio, enquanto vestia o bebezinho tão ternamente como se fosse seu filho. As meninas, enquanto isso, puseram a mesa, sentaram as crianças ao redor do fogo e lhes deram de comer como se fossem passarinhos famintos; rindo, falando e tentando entender o inglês engraçado e estropiado.

Das ist gut! Die Engel-kinder!2 – exclamavam as pobrezinhas enquanto comiam e aqueciam as mãozinhas arroxeadas ao fogo reconfortante.

As meninas nunca tinham sido chamadas de anjinhos e acharam muito agradável, principalmente Jo, que fora considerada “um Sancho” desde que nascera. Foi um desjejum muito feliz, embora não tenham comido nada; e quando foram embora, deixando conforto, creio que não havia em toda a cidade ninguém mais alegre do que as quatro meninas famintas que doaram seu desjejum e se contentaram com pão e leite na manhã de Natal.

– Isso é amar o próximo mais do que a nós mesmas, e gosto disso – disse Meg ao arrumar os presentes enquanto a mãe estava no andar de cima, reunindo roupas para os pobres Hummel.

Não era nada de muito esplêndido, mas havia muito amor nos poucos pacotinhos; e o vaso alto com rosas vermelhas, crisântemos brancos e trepadeiras posto no centro dava um ar muito elegante à mesa.

– Ela está chegando! Comece a tocar, Beth, abra a porta, Amy. Três vivas para mamãe! – exclamou Jo, saltitante, enquanto Meg conduzia a mãe ao lugar de honra.

Beth tocou sua marcha mais alegre, Amy escancarou a porta e Meg desempenhou o papel de escolta com grande dignidade. A sra. March ficou surpresa e ao mesmo tempo comovida; sorria com os olhos cheios de lágrimas enquanto examinava os presentes e lia os bilhetinhos que os acompanhavam.