Provocado por elas a dar a sua opinião, a exprimir sua admiração por um quadro, Swann mantinha um silêncio quase grosseiro, mas em compensação abria-se quando podia fornecer algum informe material sobre o museu onde tal quadro se encontrava, e sobre a data em que fora pintado. Porém de hábito contentava-se em procurar divertir-nos contando, de cada vez, uma história nova que lhe acabava de ocorrer com pessoas escolhidas entre as que conhecíamos, com o farmacêutico de Combray, com a nossa cozinheira, o nosso cocheiro. Certamente essas narrativas faziam rir a minha tia-avó, mas sem que ela percebesse bem se era por causa do papel ridículo que nelas Swann se atribuía sempre, ou pelo espírito com que as contava: "O senhor é um verdadeiro tipo, senhor Swann!"
Como ela era a única pessoa um tanto vulgar da nossa família, fazia questão de notar aos estranhos, quando se falava em Swann, que ele teria podido, se quisesse, morar no bulevar Haussmann ou na avenida da ópera, que era filho do Sr. Swann, que este lhe devia ter deixado uns quatro ou cinco milhões, e que isto de residir no cais de Orléans era simples capricho seu.
Capricho que, de resto, ela julgava dever ser tão divertido para os outros que, em Paris, quando o Sr. Swann vinha, no dia 1° de janeiro, lhe trazer seu saquinho de marrons-glacês, ela não deixava de lhe dizer, se havia estranhos: "Senhor Swann, quer dizer então que o senhor mora sempre perto do Entreposto de Vinhos, para ter certeza de não perder o trem quando vai para Lyon?" E
olhava as outras visitas com o rabo dos olhos, por cima do pince-nez.
Mas se houvessem dito à minha tia-avó que este Swann perfeitamente credenciado, dada a sua origem, para ser recebido por toda a "alta burguesia", pelos tabeliães e advogados mais ilustres de Paris (privilégio que ele parecia desdenhar um pouco)-tinha, como que às escondidas, uma vida inteiramente diferente; que, saindo de nossa casa, em Paris, depois de nos ter dito que iria dormir, arrepiava caminho mal dobrasse a esquina e se dirigia para um salão que nunca os olhos de um corretor ou sócio de corretor contemplaram, isso teria parecido tão incrível à minha tia como, para uma dama mais culta, a idéia de manter relações pessoais com Aristeu e de que este, depois de conversar com ela, iria mergulhar nos reinos de Tétis, um império oculto aos olhos dos mortais e onde Virgílio no-lo descreve acolhido de braços abertos; ou, para nos atermos a uma imagem de maior probabilidade de lhe ocorrer ao espírito, pois ela a havia visto pintada em nossos pratos de biscoito de Combray-que tivera no jantar Ali-Babá, o qual, quando se visse sozinho, penetraria na caverna a rebrilhar de tesouros insuspeitados.
Um dia em que ele nos visitara em Paris após o jantar, desculpando-se por estar de casaca, dissera-nos Françoise, depois que partira, que soubera pelo cocheiro que ele jantara "na casa de uma princesa". "Sim, de uma princesa do demi-monde!", retrucara minha tia dando de ombros, numa ironia serena, sem erguer os olhos do tricô.
Desse modo, minha tia-avó tratava-o com alguma superioridade. Como pensava que ele devia se sentir lisonjeado com nossos convites, achava muito natural que não nos visitasse, no verão, sem trazer à mão uma cestinha de pêssegos ou framboesas do seu jardim e que, de todas as suas viagens à Itália me trouxesse fotografias de obras-primas.
Ninguém se sentia constrangido em mandar chamá-lo quando havia necessidade de molho gribiche ou de salada de ananás para os grandes jantares aos quais não o convidavam, já que não lhe atribuíam prestígio suficiente para ser apresentado aos estranhos que vinham pela primeira vez. Se a conversa recaía sobre os príncipes da Casa de França: "Pessoas que nem o senhor nem eu jamais conheceremos, nem fazemos questão de conhecer, não é mesmo?", dizia a minha tia-avó a Swann, que talvez trouxesse no bolso uma carta de Twickenham; e mandava-o empurrar o piano e virar as folhas nas noites em que a irmã de minha avó cantava, demonstrando para com aquela pessoa tão solicitada em outros lugares a ingênua rudeza de uma criança que brinca com um bibelô de coleção tão despreocupada como se fosse um objeto vulgar.
Sem dúvida, o Swann conhecido por tantos sócios do clube àquela época era bem diverso do que minha tia criava em sua cabeça, quando à noitinha, no jardinzinho de Combray, após ressoarem os dois toques hesitantes da sineta, ela insuflava e vivificava, com tudo o que sabia sobre a família Swann, o personagem obscuro e incerto que se destacava, seguido de minha avó, sobre um fundo de trevas e que era reconhecido pela voz.
Porém mesmo do ponto de vista das coisas mais insignificantes da vida nós não somos um todo materialmente constituído, idêntico para todas as pessoas, e de que cada um não tem mais que tomar conhecimento, como se se tratasse de um livro de contabilidade ou de um testamento; nossa personalidade social é uma criação do pensamento alheio. Até o ato tão simples a que chamamos "ver uma pessoa que conhecemos" é em parte uma ação intelectual. Preenchemos a aparência física do ser que vemos com todas as noções que temos a seu respeito, e, para o aspecto global que nos representamos, tais noções certamente entram com a maior parte.
Acabam por arredondar tão perfeitamente as faces, por seguir com tão perfeita aderência a linha do nariz, vêm de tal forma matizar a sonoridade da voz como se esta fosse apenas um envoltório transparente, que, cada vez que vemos esse rosto e ouvimos essa voz, são essas as noções que reencontramos, que escutamos.
Sem dúvida, no Swann que haviam construído para si mesmos, meus pais tinham omitido, por ignorância, uma multidão de particularidades de sua vida mundana que faziam com que outros, em sua presença, vissem todas as elegâncias dominar-lhe o rosto até o nariz recurvo, que era como que sua fronteira natural; mas também tinham podido acumular naquele rosto despojado de seu prestígio, vago e espaçoso, no fundo desses olhos depreciados, o suave e incerto resíduo um tanto memória, um tanto esquecimento-das horas ociosas passadas em nossa companhia após os jantares semanais, ao redor da mesa de jogo ou no jardim, durante a nossa vida de boa vizinhança campestre. E com tudo isto, de tal modo se enchera o envoltório corporal de nosso amigo, bem como de algumas recordações relativas a seus pais, que este Swann se tornara um ser completo e vivo e eu tenho a impressão de deixar uma pessoa para ir me encontrar com outra bem distinta quando, na minha memória, passo do Swann que conheci mais tarde em detalhe para esse primitivo Swann-no qual reencontro os erros encantadores da minha juventude, e que aliás se parece menos com o outro do que com as pessoas que conheci na mesma época, como se ocorresse em nossa vida o mesmo que num museu, onde todos os quadros de uma mesma época têm um ar de família, uma mesma totalidade-esse primitivo Swann cheio de lazeres, perfumado pelo aroma do grande castanheiro, do cestinho de framboesas e de um tantinho de estragão.
No entanto, um dia em que minha avó tinha ido pedir um obséquio a uma dama que conhecera no Sacré-Coeur (e com a qual, devido à nossa concepção de castas, não quisera mais ter relações apesar de uma simpatia recíproca), a marquesa de Villeparisis da célebre família de Bouillon, esta lhe dissera: "Creio que você conhece bem o Sr. Swann, que é um grande amigo dos meus sobrinhos de Laumes." Minha avó regressara da visita entusiasmada com a mansão que dava para jardins e onde a Sra. de Villeparisis lhe aconselhara que alugasse casa, e também com um alfaiate e sua filha, cuja loja ficava no pátio e onde ela entrara para pedir que lhe dessem um ponto na saia, que fora rasgada na escadaria. Minha avó achara-os perfeitos, declarando que a menina era uma pérola e que o alfaiate era um homem muito distinto, o melhor que ela já vira.
Pois para ela a distinção era algo absolutamente independente do nível social. Extasiava-se com uma resposta que o alfaiate lhe dera, dizendo a mamãe: "Sevigné não teria dito melhor!" e, por outro lado, a respeito de um sobrinho da Sra. de Villeparisis que encontrara em sua casa: "Ah, minha filha, como ele é vulgar!"
Ora, a referência a Swann teve por efeito, não o de elevá-lo na consideração de minha tia-avó, e sim o de diminuir a Sra. de Villeparisis. Parecia que a consideração que, confiantes na minha avó, tributávamos à Sra. de Villeparisis lhe criasse o dever de não fazer coisa alguma que a tornasse menos digna, e a esse dever ela faltara ao tomar conhecimento da existência de Swann, ao permitir que seus parentes o freqüentassem.
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